De Onde Veio Este Modelito?
20, agosto, 2010Publicado em 26/07/2010 por justicafiscal
Fátima Gondim * É bastante comum nos depararmos com a informação de que nosso sistema tributário é injusto e às avessas, ou seja, os mais ricos pagam proporcionalmente menos tributos que os mais pobres. Em recente artigo ao jornal Estado de São Paulo, Quem paga(mais) a conta do governo, o professor José Roberto Afonso, seguindo esse diapasão apresenta alguns argumentos que suscitam a nossa reflexão. Como tudo que se converte em senso comum, deve ser examinado com o cuidado que requer as coisas óbvias, propomos uma breve análise da matéria, a partir de três pontos. O segundo pretende comentar o aumento da regressividade em função da maior evolução na arrecadação tributária de setores cujo produto seja de consumo básico das classes mais pobres. O terceiro e último busca mostrar o outro lado, o do gasto, isto é, quem recebe(mais) do Estado. Afinal, se estamos falando em justiça fiscal, não podemos deixar de analisar outros dados interessantes, como aqueles apontados pelo Comunicado nº 22 da Presidência do IPEA (Receita Pública: quem paga e como se gasta- dez 2009), que são um tabu na mídia. De onde vem este modelito? A partir de 1995, a política tributária foi redesenhada para beneficiar o processo de mundialização do capital financeiro, de forma a atraí-lo e mimá-lo do ponto de vista fiscal. Para reduzir a tributação do grande capital e ao mesmo tempo garantir arrecadação para o ajuste fiscal, em uma economia debilitada, a União fez sua opção preferencial por tributar de “forma fácil” e “invisível”, via tributos sobre o consumo, atingindo sobretudo o “Brasil de baixo”, como dizia o poeta Patativa do Assaré. E assim foram construídos recordes de arrecadação: aumentando a tributação dos mais pobres e reduzindo a dos mais ricos. Vejamos as benesses para o “andar de cima” já no início do governo: redução da alíquota do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas – IRPJ, das instituições financeiras de 25% para 15%; redução do adicional do IRPJ de 12% e 18% para 10% (Lei 9.249/95 e Lei 8981/95), redução da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL de 30% para 8%, depois elevada para 9% (MP 1.807/99), redução da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, ao permitir a dedução dos juros sobre o capital próprio (Lei 9.249/95), isenção do imposto de renda da remessa de lucros e dividendos ao exterior (Lei 9249/95), dentre outros. O que é a dedução dos juros sobre o capital próprio e a quem beneficia? A inovação criada em dezembro de 1995 possibilitava à empresa distribuir juros aos seus sócios e acionistas, reduzindo com isso os tributos a serem pagos. A justificativa para sua criação: a legislação anterior favorecia o endividamento externo da empresa e para reverter era necessário incentivar o financiamento da empresa pelos sócios. Com o país praticando uma das maiores taxas de juros do mundo a empresa necessita de incentivo para usar o próprio capital ao invés de contrair empréstimo externo? Com certeza, não! E como se dava a operação? Independente de ocorrer a operação de empréstimo do sócio para a empresa, esta credita os juros aos sócios e acionistas tributando em 15% (IR) quando deveria pagar 34% caso não houvesse esta renúncia fiscal (IR, adicional e CSLL). É um incentivo sem qualquer função econômica que só beneficia as grandes empresas capitalizadas e lucrativas, sobretudo os bancos que fizeram e fazem a festa. Não é sem razão que o saudoso Osires Lopes Filho logo denominou o artifício de Usura Heterodoxa e combateu-lhe em todos os fóruns onde foi convidado a se pronunciar sobre o assunto. Enquanto isso, o cidadão assalariado paga 27,5% de imposto de renda. Para o “Brasil de baixo”, foi cobrada a conta do ajuste fiscal imposto pelo Fundo Monetário Internacional – FMI, em 1998. Em 1999, o governo federal lançou o pacote fiscal incluindo medidas para aumentar a arrecadação e assegurar o superávit primário de R$ 312 bilhões (3,1% do PIB): majoração da alíquota da COFINS de 2 para 3% e a ampliação da base de incidência do PIS/PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS, elevação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira – CPMF (atualmente extinta) de 0,2% para 0,38%. Tudo incidindo sobre o consumo! E as estatísticas mostram isso: de 1997 a 2006, o crescimento da carga tributária federal sobre o consumo, descontada a inflação do Índice de Preços ao Consumidor Ampliado – IPCA, foi de 89%. A COFINS evoluiu 158% e a CPMF 211,5%. Mas o que representa para a população mais pobre um aumento da COFINS de 2 para 3%? A COFINS incide sobre o faturamento das empresas, logo é repassado para o preço dos produtos em geral. Como as pessoas de baixa renda consomem toda a renda disponível (não há poupança) e compram basicamente gêneros de primeira necessidade, acaba que o aumento dos preços atinge de forma “vital” esse segmento. Por isso a regressividade da estrutura tributária é sentida direta e especialmente pelas classes de renda mais baixa: em 1996, a carga tributária indireta sobre famílias com renda até dois salários mínimos representava 26% de sua renda familiar e em 2002, pulou para 46%. Para famílias com renda superior a 30 salários mínimos, a carga indireta era de 7,3%, em 1996, e de 16% em 2002, conforme dados do IBGE. Vale lembrar que também no Imposto de Renda, direto e progressivo, houve confisco. Mesmo com a a participação dos salários decrescendo em relação à renda nacional , a arrecadação do Imposto de Renda sobre o trabalho cresceu 27%, em termos reais, de 1996 a 2001, devido ao aumento de alíquota de 25% para 27,5% e pelo congelamento da tabela do Imposto de Renda Pessoa Física – IRPF. O artigo Tudo azul do outro lado da moeda (Auditoria da Dívida Externa, 2002) revela a perversão dessa extração tributária: todo incremento de arrecadação obtido nesse período foi destinado ao pagamento de juros da dívida. Enfim, o “modelito” da regressividade que assolou e deteriorou nosso espectro tributário na segunda metade da década de 90, em especial após o chamado ajuste fiscal, é démodé mas permanece até hoje um Robin Hood às avessas. No próximo texto, abordaremos o segundo ponto: A regressividade aumenta quando o andar de baixo consome mais? *Auditora-Fiscal da Receita Federal do Brasil Este artigo reflete as opiniões do(s) autor(es), e não necessariamente da Delegacia Sindical do Ceará. Esta Delegacia Sindical não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizada pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações. |
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