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Direito à aposentadoria

27, outubro, 2010

Por Ricardo Melo

A conta da crise financeira internacional de 2008, simbolizada pela quebra do banco de investimento americano Lehman Brothers, está longe de ser paga. Pacotes trilionários de ajuda ao setor privado foram insuficientes para cobrir os rombos da especulação desenfreada. É preciso mais.

Os europeus que o digam.

Grécia, Portugal, Espanha, França e Grã-Bretanha são amostras de países que, a pretexto de não falir, passam a faca em direitos sociais diversos. Um dos alvos preferidos são as aposentadorias. O governo inglês, por exemplo, além de projetar o maior corte de gastos públicos em 60 anos e a demissão de meio milhão de servidores, quer elevar de 65 para 66 anos a idade para aposentadoria.

Embora, no conjunto, as medidas pareçam de menor amplitude, é na França que a situação está mais exacerbada. O presidente Nicolas Sarkozy declarou guerra a conquistas históricas dos sindicatos e decidiu aumentar em dois anos a idade mínima da aposentadoria. Conseguiu deslanchar a maior onda de mobilizações no país em muitos anos, envolvendo funcionários públicos, trabalhadores em geral e a juventude estudantil.

Pesquisas de opinião mostram que as manifestações têm índice de apoio da altura de Carla Bruni, enquanto a satisfação com o governo está mais para a estatura do marido. Mais de 70% dos franceses são simpáticos aos protestos.

Já o presidente bateu seu próprio recorde de impopularidade: enquete divulgada no domingo registra que só 29% dos entrevistados são favoráveis a Sarkozy.

Os "reformistas" franceses argumentam que, se em 1945 havia oito trabalhadores na ativa para sustentar um aposentado, daqui a 15 anos a proporção descerá a um para um caso nada seja feito. É mais ou menos a mesma ladainha atuarial ouvida no Brasil. Para os governos e o pessoal bem de vida, a aposentadoria -dos outros, bem entendido- passou a ser tratada como luxo a ser eliminado (ao mesmo tempo, um ótimo negócio para a banca que negocia planos de previdência privada).

Na ponta do lápis, considerando o aumento da expectativa de vida e a queda dos índices de natalidade, a conta dos "reformistas" até parece fazer algum sentido. Sentido numérico, apenas.

É difícil engolir que, diante de tanto progresso técnico e material, da capacidade internacional de gerar riqueza e do aumento de produtividade do trabalho -é difícil engolir que a saída para deixar a casa em ordem seja sempre reverter conquistas sociais. Por mais não fosse, basta lembrar a soma de recursos públicos queimados para salvar banqueiros e empresários espertalhões só nos últimos dois anos.

Dinheiro há. Resta decidir em qual bolso ele vai parar.

Este artigo reflete as opiniões do(s) autor(es), e não necessariamente da Delegacia Sindical do Ceará. Esta Delegacia Sindical não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizada pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

Fonte: Folha de São Paulo