E-mail e celular estendem jornada de trabalho para casa e até as férias
30, novembro, 2011Por Érica Fraga
"Eu olho e-mail em casa, andando na rua, no restaurante. Parece que o trabalho não me deixa." A declaração da publicitária Júlia Eboli, coordenadora de marketing da Tecla Internet, mostra a realidade de um contingente cada vez maior de profissionais. A combinação entre crescimento mais intenso da economia e avanço nas tecnologias de comunicação tem resultado em aumento das horas trabalhadas no Brasil. Sete em cada dez profissionais -que ocupam cargos como analista, gerente e supervisor- afirmam que passam mais tempo no escritório hoje do que há cinco anos. Mais da metade diz que o teto da carga horária no escritório saltou de oito para dez horas diárias, e quase 80% são acionados nos momentos de lazer e descanso via mensagens no celular. Nem as férias escapam: mais de 50% dos funcionários de empresas que atuam no país respondem a e-mails de trabalho nesse período. Esses são resultados de pesquisa feita pela Asap, consultoria de recrutamento de executivos, a pedido da Folha. Foram ouvidas 1.090 pessoas com renda mensal entre R$ 5.000 e R$ 15 mil. A expansão da economia e as promoções no trabalho são as razões para o aumento da carga horária de trabalho, indica a maior parte dos entrevistados. "Nossa empresa é vítima positiva da expansão do crédito. Estamos trabalhando mais", diz Daniel Polistchuck, diretor de tecnologia da Crivo, que desenvolve programas para análise de crédito. Para Carlos Eduardo Ribeiro Dias, sócio e presidente-executivo da Asap, há um descompasso entre o ritmo do mercado de trabalho e o de formação acadêmica e profissional. "As pessoas estão sendo promovidas mais cedo, mas nem sempre estão preparadas. O resultado: trabalham mais." TECNOLOGIA Rodrigo Vianna, diretor da HAYS, empresa de recrutamento de executivos, diz que, sem as novas tecnologias, "as pessoas viveriam praticamente dentro das empresas". "Com a globalização, não há mais fuso horário. É preciso ficar ligado o tempo todo. A tecnologia, nesse sentido, veio para ajudar." Mas o excesso de trabalho tem consequências. Para Elaine Saad, gerente-geral da Right Management, o brasileiro tem forte apego à tecnologia e exacerba o uso de mensagens pelo celular. "Isso faz que as pessoas trabalhem no horário do descanso. E, se você não responde a um e-mail e seu colega responde, você fica com medo de perder o emprego." Cansaço e estresse são consequências Segundo ele, a jornada estendida por meio de tecnologias mais avançadas de comunicação é uma das reclamações dos executivos que atende: "Os facilitadores de comunicação foram uma cilada. Hoje, ninguém consegue ficar off-line". Reportagem nesta Folha revelou que o número de pessoas afastadas pelo INSS com depressão e estresse disparou no primeiro semestre deste ano. "O aumento nos casos de transtornos mentais e comportamentais tem relação direta com o aumento das horas trabalhadas", diz Remígio Todeschini, diretor de saúde e segurança ocupacional do Ministério da Previdência. Ficou mais difícil determinar a hora do lazer e a hora do trabalho Foi por meio de computadores portáteis e de telefones com aplicativos que passamos a trabalhar mesmo em horário de folga. Num passado remoto, era plenamente possível separar o tempo gasto no trabalho e o tempo dedicado à vida pessoal. Hoje, em segundos, é possível enviar e atender demandas. Fica bem mais complicado determinar a hora do trabalho e a hora do lazer. Mas a tecnologia, com implicações terríveis para nosso bem-estar -como doenças relacionadas ao estresse, perda da felicidade, decepção com o trabalho-, permitiu a jornada flexível e o trabalho à distância. De fato, uma conquista, em algumas empresas, foi permitir que o próprio funcionário escolha quando e de onde trabalhar. O que importa não é o tempo dentro da empresa, mas o que é entregue a ela. Como a biologia, que estuda a seleção natural das espécies, o mercado de trabalho encontra formas de selecionar os melhores indivíduos. Cabe a cada um estabelecer os limites que julgar necessários, ciente das consequências -seja para a saúde ou para a carreira. Algumas empresas celebram a corrida da seleção natural, outras buscam coordenar os objetivos de eficiência e lucratividade com indivíduos satisfeitos com o trabalho e a vida pessoal. O que você escolhe? *REGINA MADALOZZO é Ph.D. pela Universidade de Illinois e professora do Insper. Este artigo reflete as opiniões do(s) autor(es), e não necessariamente da Delegacia Sindical do Ceará. Esta Delegacia Sindical não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizada pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações. |
Fonte: Folha de São Paulo |
Outros artigos