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O capitalismo pode ficar mal, mas e os bancos?

3, junho, 2014

Por José Carlos Peliano, Economista

Marx já adiantava que o capitalismo tende a destruir a si mesmo em seu processo de expansão e acumulação. Não certamente de uma vez mas aos poucos. Aos poucos, como? De crise em crise de superprodução. Ocasiões em que o excesso de bens e serviços colocados no mercado não realiza suas vendas diante da demanda corrente.

Os preços caiem diante dos estoques amontoados. As empresas perdem receitas, os lucros são derrubados, trabalhadores são dispensados e as empresas reduzem mais que proporcionalmente a produção. Movimento cíclico: superprodução, queda de receitas e redução da produção de um lado,  desemprego, redução da renda e da demanda de outro.

Keynes percebeu a armadilha e para salvar o funcionamento do sistema pregava o contrário, o movimento anticíclico. Nas crises, o lado da produção na balança econômica deveria ser reduzido sim para se readaptar às mudanças, mas não tanto a ponto de comprometer drasticamente o nível de emprego. Novos investimentos deveriam ser incentivados. O outro lado da balança, a demanda, seria afetado pela queda na produção, mas seria ainda capaz de sustentar o período de ajustamento da produção. As novas oportunidades abertas com os novos investimentos reestruturariam a demanda.

Se a produção projeta sua demanda, esta segura ou não a produção a depender dos empregos criados e dos salários pagos. É claro que a produção não segura a demanda por altruísmo, coisa que não existe no capitalismo, mas ela deveria segurar a demanda sim para sua própria segurança e até mesmo sobrevivência no mercado. Henry Ford foi outro que disso também se apercebeu e pagava na época salários melhores que o mercado a seus trabalhadores para que eles também pudessem ajudar na sustentação da produção em geral e de seus automóveis pelas eventuais aquisições.

A extensão das relações capitalistas levou ao sistema oligopolista onde poucos grandes grupos econômicos dominam a produção no mercado. E também a demanda agregada, o chamado oligopsônio. Hoje em dia a produção mundial, globalizada, está nas mãos desses grupos que sustentam a produção e a demanda.

Nós, pobres consumidores, vivemos das oportunidades de emprego e trabalho gerados majoritariamente por eles e com as rendas e salários obtidos sustentamos com nossas compras mensais parte da produção global. A outra parte esses mesmos grupos sustentam por meio das compras realizadas entre eles.

Os bancos entram nesse complexo de relações entrecruzadas principalmente pela via do financiamento à produção (adiantamento de recursos), pelo crédito (aos consumidores) e por toda a malha de instrumentos de cobertura financeira no mercado (garantias, participações, operações em moedas estrangeiras, etc.). Em poucas palavras, os bancos estão em praticamente todas as operações de compra e venda no mercado, de uma forma ou de outra.

A crise financeira de 2008 desencadeada nos Estados Unidos tomou forma pela venda de títulos imobiliários sem sustentação em garantias reais, os sub-primes, comprados por bancos para suprir de recursos o mercado de imóveis. Esses títulos transacionados com os bancos e entre os bancos serviam de moeda financeira a muitas outras transações e operações que necessitavam de cobertura ou garantias reais.

Resultado, a bolha estourou, os consumidores não conseguiram pagar suas aquisições de imóveis e os papeis imobiliários viraram simplesmente papeis, sem valor e quaisquer chances de resgate. Muitos bancos ao redor do mundo ou faliram ou se seguraram às custas do socorro dos bancos centrais ou da ajuda dos Tesouros dos países pela emissão de títulos públicos a prazos a perder de vista.

Há muito que os bancos tomam conta do mercado através de seus poderes de emitir dinheiro pela reprodução de crédito/abertura de contas, e de financiar a produção e o consumo (das famílias, das empresas e do governo – aqui pela compra de títulos públicos). Dos males o menor, o capitalismo antes de entrar numa grande crise ainda conta por último com os bancos que vão fazer de tudo para não ajudar a matar a sua galinha de ovos de ouro.

O conservadorismo econômico começa a se dar conta, pelo menos no discurso, da visão anticíclica de Keynes. O presidente do Banco da Inglaterra, Mark Carney, o banco central inglês, declarou semana passada numa conferência em Londres,  que o capitalismo pode soçobrar se não agir com ética. Ética no capitalismo? Qual? Como?

Advertiu ele que o capitalismo corre o risco de destruir a si mesmo se os banqueiros não se convencerem que são suas obrigações ajudarem na criação de uma sociedade mais justa. Segundo ele, os banqueiros entraram num jogo de perde-e-ganha no qual a ética é duvidosa e do qual aqueles que perderam por não atingir os altos padrões profissionais acabam alijados no ostracismo.

Declarou que começava a tomar forma uma impressão crescente de que o contrato social básico no centro do capitalismo estava sendo destruído e gerando desigualdade. “Não podemos simplesmente ter garantido o sistema capitalista na produção das muitas e várias soluções. A prosperidade requer não só investimento no capital econômico, mas também no capital social”.

Para ele o radicalismo do mercado financeiro face a uma regulação frágil vem erodindo o capitalismo, enquanto escândalos igualmente destroem a confiança na saúde financeira do sistema. Este fundamentalismo de mercado pode devorar o capital social. A reação começa quando indivíduos e empresas passam a ter o senso de suas responsabilidades no sistema.

É um sinal promissor que um representante em alta posição no circuito financeiro fale para seus interlocutores dessa forma. O capitalismo há longo tempo segue a trilha da selvageria econômica e financeira a troco de crises que abatem mais sobre as pessoas e famílias. Um banqueiro admitindo isso abre espaço pelo menos para negociações menos radicais entre devedores e credores.

Para tornar o sistema financeiro mais regulado e menos predador e corrupto, ameaçando inclusive a saúde dele mesmo, é um grande passo. Mas é preciso combinar também com as empresas e os governos, como diria Garrincha, para que as coisas de fato em conjunto possam tomar um rumo diferente. Um novo pacto mundial seria um recomeço honesto onde haja espaço tanto para as empresas e os bancos, mas principalmente para as pessoas e famílias.

Afinal, os bancos e as empresas precisam das pessoas e famílias e essas daqueles. A selvageria das relações capitalistas só leva à destruição, desemprego, pobreza e desigualdades sem limites. O limite ainda poderá ser o bom senso?