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O Estado como elemento garantidor da democracia pela Imposição igualitária de limites ao exercício dos direitos e liberdades civis

17, setembro, 2008

Roberto Jorge da Silva
Presidente do UNAFISCO - Delegacia Sindical de Porto Alegre

O Seminário "20 anos da Constituição Federal de 1988" nasceu, primeiro, como fruto de uma imposição: era preciso que os cidadãos e as entidades democráticas que os representam refletissem, fazendo uma espécie de balanço, sobre o exercício da Constituição que surgiu para tentar apagar outros vinte anos de ditadura.

Para aqueles que viveram os anos que precederam a instituição do regime totalitário neste país, ou para quem os conheceu pelos livros, fica patente o regime de efervescência política que se viveu naqueles dias: discutia-se, por exemplo, o direito ou não de as empresas remeterem lucros para o exterior. Hoje não se discute sequer a tributação sobre essas remessas.

Logo, a análise da vigência dos primeiros anos da constituição atual não pode ser feita senão baseada no apoio da história que, comparando basicamente três períodos, o anterior à instauração do golpe militar, regime democrático por excelência, o regime do terror e das trevas de 64 a 84 e o regime que precedeu (abertura política) e acompanhou a vigência da Constituição de 88 em seus primeiros vinte anos, haverá de responder a questão que se impõe naturalmente sobre se a Constituição de 88 foi, em primeiro lugar, instrumento suficiente para a recuperação da liberdade política vivida nos anos pré-revolução e, em segundo lugar, se essa recuperação ocorreu, de fato, ou não.

À necessidade de balanço que o aniversário de 20 anos automaticamente impôs se juntou outra bem mais importante, desencadeada pela operação Satiagraha e seus desdobramentos. Essa discussão precisa, necessariamente, ser travada em âmbito constitucional, já que um dos pólos da discussão encontra-se, justamente, no STF, tribunal com a missão precípua de zelar pela correta aplicação da Constituição Federal.

Na época do regime militar, ditatorial por natureza, o Estado e sua representação legislativa, a Constituição, espelhava seu poder de ingerência sobre a vida privada e política dos cidadãos estabelecendo limites para o exercício dos direitos e liberdades civis. Não se questiona sobre a necessidade de se impor limites ao exercício dos direitos civis, senão pelo fato de que os direitos alheios impõem, naturalmente, limites uns aos outros, como pelo fato de que o exercício dessas liberdades e direitos não podem nem devem ferir outros que a própria sociedade estipula como inalienáveis, como o direito à vida e à liberdade. Ou seja, o Estado, com seu poder espelhado na Constituição não deve estabelecer limites ao cidadão que não os estritamente necessários para o exercício dos direitos garantidos aos demais outros. O período de exceção de 64 a 68 caracterizou-se, justamente, por impor restrição aos direitos dos cidadãos, espelhados imediata e freqüentemente pela Constituição de 1967, suas emendas e Atos Institucionais, que cumpriam com as obrigações previstas no mesmo instrumento legislativo constitucional. Daí a caracterização do regime "de exceção".

Dessa forma, o peso do Estado, previsto no sistema legislativo, capitaneado pela Constituição, deve ser sentido pelos cidadãos que rompem com os limites, previstos e impostos, já que necessários à vida em sociedade. A divergência de pensamento e a defesa de sistemas políticos diferentes dos em exercício jamais poderiam ser elementos suficientes para justificar a prisão, muito menos a tortura e morte de tantos brasileiros.

Se na época da ditadura o Estado não imaginava limites a sua capacidade de restringir direitos, tanto aos cidadãos que realmente descumpriam os preceitos pactuados socialmente, como aos que simplesmente divergiam do modo de pensar dominante, nos regimes que se pretendem democráticos, o Estado, no exercício de seu papel institucional, deve existir para o cidadão cumpridor de seus deveres, unicamente para dar a contrapartida a esse cumprimento, pela disponibilização dos serviços que lhe são atribuídos. Para os que descumprem as normas estatuídas pelos seus legisladores, constituintes em mais importante lugar, o Estado deve se mostrar presente julgando e aplicando as punições devidas, previstas como necessárias à vida em sociedade.

Ou seja, a vida em sociedade democrática pressupõe liberdade de pensamento e exercício absoluto de direitos, dentro das regras estabelecidas pelos legisladores constituintes, que representaram legalmente os cidadãos, a sociedade. Na ultrapassagem desse limite o Estado deve se mostrar presente. E a questão não suscita qualquer dúvida quando se analisa os casos de descumprimento que ocorrem na metade inferior da pirâmide econômico-social: ao descumprimento, a aplicação imediata da sanção.

A operação Satiagraha trouxe luz à imposição dos limites pelo Estado ao cumprimento dos deveres aos cidadãos localizados na parte superior da pirâmide. Não é de se surpreender que a imposição de limites seja mais difícil quando o seu descumpridor é alguém que detém poder econômico e político. O que suscitou a discussão e a pauta neste seminário é o fato de o próprio tribunal constitucional tentar restringir o exercício das entidades estatais na imposição desses limites: ou seja, ao descumpridor o papel de enganar e ao Estado o de investigar, processar e punir, caso se comprove o ilícito. A punição, última etapa, depende, necessariamente, das etapas anteriores, não se podendo imaginar um processo justo sem uma adequada e necessária investigação.

E, observe-se que as entidades encarregadas de fazer essa investigação e apuração dos ilícitos, caracterizadores da ultrapassagem dos limites ao exercício dos direitos e liberdades civis, não o fazem em seu próprio interesse, mas em nome da sociedade. Por isso, as entidades que zelam pelo respeito ao exercício da cidadania, dentro de seus limites, estão presentes conjuntamente na organização deste evento: Auditoria Fiscal da Receita Federal, Fiscalização do Banco Central, Ministério Público Federal e Magistratura Federal. Completo estaria o quadro se tivéssemos tido a oportunidade de convidar a representação da Polícia Federal.

Essas entidades, ao reprimir o abuso do direito, zelam pelo exercício das liberdades dos cidadãos. Seus representantes não aceitam imposição aos seus limites de investigar e apurar os ilícitos, quando esses limites não valem para toda a sociedade, senão para a parcela privilegiada, concentradora de poder político e econômico. Aceitar essa distinção seria concordar com a desmoralização das instâncias mais importantes do Estado. Se os limites à atuação dos agentes públicos de Estado se prestarem apenas à parte menos poderosa da sociedade, maculada estará a pretensão democrática de nossa vida social, baseada necessariamente nos princípios de justiça e igualdade. E estaremos dando um passo atrás, nos aproximando da época pouco memorável do regime militar e fugindo dos ideais expressos na carta de 1988.

Por isso, é salutar que entidades tão representativas na prestação dos serviços públicos estejam reunidas para defender o exercício dos direitos civis, baseadas no pressuposto de que qualquer limite aplicado a esses direitos deve valer para toda a sociedade, ou descaracterizado e desmoralizado estará o regime democrático e a constituição que lhe serve de esteio.