Espera-se que Lula corrija ao menos parte do estrago provocado pela generosidade dos parlamentares no Refis 4
POR PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
SE ESTIVESSE vivo, o meu querido amigo Osiris Lopes Filho, ex-secretário da Receita Federal, estaria provavelmente dando os proverbiais "arrancos triunfais de cachorro atropelado". Na quinta-feira passada, o Congresso aprovou mais um parcelamento de dívidas tributárias. A generosidade dos parlamentares com os devedores do fisco parece não ter limites. É o quarto parcelamento desde 2000. Posso imaginar a violência com que Osiris arremeteria, em seus artigos, contra essa decisão do Congresso.
Os parcelamentos têm sido concedidos com regularidade de relógio -um a cada três anos. O primeiro -denominado Refis (Programa de Recuperação Fiscal)- foi aprovado em 2000. O segundo -Paes (Parcelamento Especial), também conhecido como Refis 2- foi instituído em 2003. O terceiro -Paex (Parcelamento Excepcional) ou Refis 3- foi lançado em 2006. Agora temos um quarto, ainda sem nome oficial, que eu saiba, mas que certamente ficará conhecido como Refis 4.
Não nego, leitor, que o parcelamento de impostos atrasados possa fazer sentido. É uma maneira de dar algum alívio a empresas ou pessoas físicas sufocadas por dificuldades econômicas, permitindo a regularização da sua situação fiscal. Pode-se, por exemplo, estabelecer que uma parte da dívida com o fisco seja paga à vista em troca do parcelamento do resto. Tipicamente, o parcelamento envolve também alguma redução de multas e juros devidos.
No entanto, esse instrumento precisa ser usado com muito cuidado. Parcelamentos frequentes e generosos incorporam-se às expectativas dos contribuintes, estimulando-os a retardar o pagamento dos tributos. Se os parcelamentos e as anistias tributárias se transformam em prática rotineira, aumenta a tendência do contribuinte a tentar escapar das suas obrigações tributárias. Portanto, as vantagens de curto prazo dos parcelamentos devem ser avaliadas à luz do risco que representam em termos de estímulo à evasão fiscal no futuro.
O estímulo à inadimplência é reforçado sempre que os encargos (taxas de juro e multas) incidentes sobre tributos em atraso são inferiores às taxas de juro de mercado. Quando isso acontece, a inadimplência tributária torna-se uma fonte atrativa de financiamento. A Receita Federal trabalhou ativamente para convencer os parlamentares a não tomar o rumo que tomaram. A secretária da Receita, Lina Maria Vieira, teme que parcelamentos com data programada venham a comprometer a "arrecadação espontânea", isto é, aquela que acontece sem a necessidade de ação coercitiva por parte da administração tributária. Os sucessivos e generosos parcelamentos de dívidas tributárias constituem, como afirma a Receita Federal, "um péssimo exemplo para os contribuintes que cumprem as suas obrigações".
Grande parte dos contribuintes que aderiram aos parcelamentos anteriores acabou excluída dos programas de renegociação, geralmente por inadimplência em relação a parcelas devidas ou pelo não recolhimento de tributos correntes. E o pior é que, a cada parcelamento aprovado, verifica-se uma migração em grande escala de um programa para outro. Por exemplo, 45 mil contribuintes excluídos do Refis 1 optaram por entrar no Refis 2. Outros 22 mil excluídos do Refis 1 optaram pelo Refis 3. Cerca de 57 mil contribuintes excluídos do Refis 2 ingressaram no Refis 3.
Uma verdadeira farra, em resumo. O Refis 4 terá que ser sancionado pelo presidente da República. Espera-se que ele use o seu poder de veto para corrigir pelo menos parte do estrago provocado pela generosidade dos parlamentares.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 54, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É diretor-executivo no FMI, onde representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago), mas expressa seus pontos de vista em caráter pessoal.
Este artigo reflete as opiniões do(s) autor(es), e não necessariamente da Delegacia Sindical do Ceará. Esta Delegacia Sindical não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizada pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações. |