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Planejamento tributário e norma antielisiva

13, abril, 2009

PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO E NORMA ANTIELISIVA.

ERNESTO SILVA NOBRE
Bacharel em Direito pela UFC
Especialista em Direito e Processo Tributário
E-mail: ernnesto@uol.com.br
1. SUMÁRIO.
O planejamento tributário vem crescendo de forma assustadora, adquirindo uma importância sem precedentes no mundo empresarial, o que tem tirado o sono do governo devido à expressiva perda de arrecadação. A elevada carga tributária brasileira contribui de forma preponderante para isso, uma vez que o impacto da tributação junto aos contribuintes aponta para resultados alarmantes. O planejamento tributário passou a fazer parte do cotidiano das empresas, sendo encarado como um planejamento normal assim como também são, o planejamento de marketing, o planejamento estratégico, o planejamento de vendas e tantos outros que fazem parte do dia a dia empresarial.

O pensamento dos nossos principais tributaristas, a respeito da matéria, é aqui retratado, bem como a visão do fisco e dos contribuintes. Face à importância que o assunto desperta, tem sido motivo de amplo debate por toda a sociedade, notadamente por aquelas pessoas ligadas ao direito tributário. O tema central da discussão, como não poderia deixar de ser, gira em torno da Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001. Este dispositivo legal ficou conhecido como norma geral antielisiva em virtude de ter sido editada com a intenção de combater a elisão fiscal e fechar as portas do planejamento tributário. O fisco a defende invocando os princípios da capacidade contributiva, da igualdade e da solidariedade social. Os contribuintes a refutam por entenderem que fere os princípios da autonomia da vontade, da estrita legalidade e da tipicidade fechada.
2. INTRODUÇÃO.
Quando da edição da Lei Complementar nº 104, em 10 de janeiro de 2001, foi acrescentado o parágrafo único ao artigo 116 do Código Tributário Nacional. A intenção do governo era barrar as portas da elisão fiscal e com isso alcançar um incremento substancial na arrecadação federal. Este dispositivo legal prevê a desconsideração dos atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos estabelecidos em lei.
Os contribuintes invocam, em sua defesa, os princípios da autonomia da vontade e da legalidade alegando que dentro do seu negócio podem fazer o que quiserem e o que melhor lhes convier, desde que não seja proibido. Afirmam que, diante de várias alternativas possíveis e legalmente previstas, não são obrigados a seguir o caminho mais oneroso, ou seja, aquele que leva a uma maior tributação só por ser esta a vontade do fisco. Praticando ato ou atos jurídicos lícitos que os levem a uma menor tributação, estão apenas fazendo uso do princípio da autonomia da vontade, não podendo o fisco contra isso fazer nada. O governo não pode obrigá-los a pagar mais tributos. Entendem que são livres para buscar caminhos alternativos para minimizar os custos com a tributação, pois ao administrador privado tudo é permitido, desde que a lei não proíba, diferentemente do administrador publico que só pode fazer o que a lei permite.

Não poderia ser diferente. Na atividade empresarial sobrevive aquele que melhor gerencia os seus custos. Buscar caminhos alternativos, para minimizar o impacto da tributação, é uma necessidade de sobrevivência. É o que dizem os contribuintes, ressaltando que do total de custos envolvidos, os custos com a tributação são os mais representativos. Além disso, as exigências da legislação tributária são tantas que os obrigam a dedicar um departamento inteiro somente para tratar destas questões, além da contratação de assessoria especializada no assunto, o que eleva, ainda mais, os seus custos tornando o planejamento tributário uma ferramenta extremamente importante.
3. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO VERSUS NORMA ANTIELISIVA.
O planejamento tributário é uma delas. O que vem a ser planejamento tributário? A doutrina, quanto ao tema é pacífica. Planejamento tributário é o conjunto de atos executados, dentro da perfeita legalidade e, buscando dentro das lacunas da lei, caminhos que conduzam ao pagamento de menos tributos.

Para Láudio Fabretti , planejamento tributário é a atividade preventiva que estuda a priori os atos e negócios jurídicos que o agente econômico pretende realizar. Sua finalidade é obter a maior economia fiscal possível, reduzindo a carga tributária para o valor realmente exigido por lei. Deve-se, antes de cada operação, pesquisar suas conseqüências econômicas e jurídicas, estudando e identificando todas as alternativas legais aplicáveis ao caso. A economia tributária resultante da adoção da alternativa legal menos onerosa ou de lacuna de lei denomina-se elisão fiscal. Portanto, para Fabretti, a elisão fiscal é legítima e lícita, pois é alcançada por escolha feita de acordo com o ordenamento jurídico, adotando-se a alternativa legal menos onerosa ou utilizando-se de lacunas da lei. É dever de todo administrador, afirma, maximizar os lucros e minimizar as perdas. Por esta razão, o planejamento tributário é um instrumento tão necessário quanto um planejamento de marketing, de vendas, etc. É a forma que os agentes econômicos têm de ver respeitada sua capacidade contributiva.

3.1 Elisão fiscal. Evasão fiscal.
O que vem a ser elisão fiscal? E a evasão fiscal? Em que diferem? Neste momento isto tem de estar bem claro. Ambas visam à redução do montante de tributos a recolher ao fisco sendo a diferença entre elas bastante sutil. A elisão fiscal situa-se no campo da licitude e visa, através de atos anteriores a ocorrência do fato gerador e dentro da legalidade, a forma ou as formas que levem ao pagamento de tributos da maneira mais favorável ao contribuinte. Já a evasão fiscal está no campo da ilicitude e consiste no conjunto de atos praticados pelo contribuinte, no instante ou após a ocorrência do fato gerador, visando burlar o fisco com atos ou artimanhas, geralmente fraudulentas, objetivando a redução de tributos. Podemos dizer que a diferença entre elas é temporal. Na elisão ainda não ocorreu o fato gerador enquanto que na evasão ocorre justamente o contrário. Uma está no campo da ilicitude, a outra no campo da licitude.

3.2 A norma antielisiva.
A norma em comento trouxe mais uma discussão a já tão difícil relação fisco-contribuinte. De um lado o fisco, através deste novo dispositivo legal, tentando barrar a elisão fiscal alegando ser ela contrária aos interesses da nação, por ferir o princípio da capacidade contributiva, o principio da solidariedade social e o da igualdade. Do outro lado os contribuintes, que tentam sobreviver diante de uma das maiores cargas tributárias do mundo, se valem do princípio da autonomia da vontade, da legalidade e da tipicidade fechada para mostrar que a norma antielisiva é ineficaz e inconstitucional não podendo produzir efeitos.

Em defesa da norma antielisão é dito que ela atribui maior importância ao valor justiça embutido nos princípios da igualdade e da capacidade contributiva quando comparados com o princípio da legalidade e da tipicidade. E, em face da supremacia do interesse público, o interesse coletivo deve prevalecer perante o interesse individual, de forma que todos contribuam para o custeio do Estado na razão de suas riquezas.

No entanto, é importante destacar que o princípio da igualdade não se contrapõe ao princípio da legalidade, porque ambos favorecem ao cidadão e, o princípio da capacidade contributiva não é uma autorização para o estado cobrar livremente onde encontrar riqueza ou disponibilidade. Antes de tudo, o princípio da capacidade contributiva, é uma proteção ao contribuinte contra a ânsia do Estado que somente pode tributar se houver capacidade econômica.

Como se pode ver, toda a discussão se resume a um conflito de princípios. Qual princípio deve prevalecer? O da capacidade contributiva, inspirado no valor justiça, ou o da legalidade, ligado ao valor segurança. Diante de uma situação assim, o que deve fazer o intérprete? Procurar guarida na hermenêutica jurídica. Sabemos que cada princípio carreia em si um valor e diante de aparentes conflitos devemos buscar auxílio no princípio da proporcionalidade, atribuindo pesos aos valores contidos em cada um deles. Para chegarmos a melhor interpretação da norma jurídica, um valor deve prevalecer perante os demais. É isto que prega o fisco quando corre em defesa da norma geral antielisão.

3.3 – Simulação. Dissimulação.
Feitas estas considerações, necessário se faz buscarmos o alcance da palavra dissimulação inserida no parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, pois somente quando ela ocorrer é que a autoridade administrativa poderá desconsiderar os atos ou negócios jurídicos praticados. Outro ponto que merece uma análise mais acurada é saber se a autoridade administrativa tem este poder face ao principio da legalidade.

Alguns entendem que simulação e dissimulação levam aos mesmos efeitos. Ambos são considerados defeitos dos negócios jurídicos visando burlar a lei ou prejudicar terceiros buscando uma vantagem econômica. Pode-se dizer que a primeira trata-se de simulação absoluta e a segunda de simulação relativa. Assim simular é fingir o que não é. Dissimular é esconder o que é. Segundo esta linha de raciocínio a norma antielisão é ineficaz, pois o Código Civil e o próprio Código Tributário Nacional já continham dispositivos neste sentido. Reforça esta análise o fato de o próprio fisco já vir adotando a desconsideração utilizando-se destes dispositivos. Assim a norma ora posta seria inócua.

Com relação ao fato da autoridade administrativa poder desconsiderar aqueles atos ou negócios que ela entender terem sido praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo, existem questionamentos da doutrina no tocante ao princípio da legalidade e ao princípio da tipicidade. Sem adentrar no mérito se o fisco pode se intrometer no negócio particular do contribuinte dizendo como ele deve ou não deve realizar determinado ato ou negócio, estes questionamentos estão adstritos somente ao campo da análise do princípio da legalidade que para o direito tributário vai mais além, sendo conhecido como princípio da estrita legalidade tamanha é a importância do mesmo neste ramo do direito.

Partindo-se do fato de que a autoridade administrativa pode desconsiderar atos ou negócios que entenda terem sido praticados com intuito de dissimulação, estaremos diante do caso de se tributar àquilo que não está previsto em hipótese de incidência previamente estabelecida, o que contraria o princípio da tipicidade. É a crítica que se faz a esta norma. Somente se considera devido o tributo caso haja expressa determinação em lei, a qual deve discriminar o fato imponível, a base de cálculo, a alíquota e, tudo isto deve ser feito de forma bastante precisa, não se admitindo, em hipótese alguma, o emprego da analogia. Entende-se que a desconsideração poderia ser praticada, mas somente se for executada mediante lei de forma a atender ao princípio da legalidade. A norma antielisão da forma que está posta pode ser considerada como um cheque em branco dado ao governo para tributar como bem entender e, em tempos de crise e de falta de recursos isto poderia ser bastante perigoso, pois os governos vêm se mostrando ao longo do tempo muito vorazes e autoritários em questões tributárias.

3.4 – Interpretação econômica. Abuso de direito. Abuso de forma.
Os que defendem a norma antielisão embasam o seu pensamento no fato de o fisco está levando em consideração, no momento da tributação, mais o aspecto econômico, realizando assim uma interpretação econômica. A teoria do abuso de forma e a teoria do abuso de direito são desdobramentos desta interpretação e merecem ser comentadas aqui.

A teoria do abuso de forma consiste em coibir o uso de uma forma jurídica atípica ou não comum para um negócio obrigando a utilização da forma típica ou normal para o mesmo negócio, o que permitiria uma maior incidência fiscal. A crítica que se faz a ela é que o mundo empresarial altamente competitivo exige do administrador privado uma dinâmica muito grande em suas atividades. A atividade empresarial é pautada na livre iniciativa sendo permitido fazer tudo que a lei não proíbe. Partindo desta premissa e levando-se em conta que administrar é reduzir custos e maximizar lucros, não há nada de errado ou estranho em se procurar caminhos que levem a este fim. É questão de sobrevivência esta busca que as empresas fazem para ver seus custos reduzidos e os custos com a tributação fazem parte desta meta.

Pode a administração tributária considerar abusiva a forma jurídica adotada em uma operação se esta está dentro da perfeita legalidade? Quais critérios seriam utilizados para efetuar esta desconsideração? Esta teoria cria amarras na administração empresarial dando ao intérprete um poder sem limites. Esta teoria não pode subsistir, segundo uns, pois investe o fisco de um autoritarismo sem precedentes engessando a livre iniciativa lhe impondo um regramento estanque e uniforme.

A teoria do abuso de direito considera ilícita toda conduta do contribuinte que tenha por fim única e exclusivamente a economia de tributo, fundamentando-se no uso imoral do direito. O intérprete aplicaria uma regra moral própria, convertendo-se numa regra jurídica a incidir em cada caso. Para cada situação existirá uma regra moral específica e seu campo de incidência é o plano moral. A doutrina majoritária a rejeita, mas há quem a defenda. Ao contribuinte e somente a ele compete, dentre as opções e caminhos permitidos pela lei, decidir ou optar por aquele que lhe seja mais favorável. É o princípio da livre iniciativa que permeia a atividade privada e que não admite intromissões na atividade do particular. O empreendimento é dele e só ele deve saber o que lhe convém melhor levando-se em conta os riscos da atividade a que está inserido o seu negócio. Não pairam dúvidas que o contribuinte tem o dever de pagar tributos, mas não o de pagar mais sobre a mesma situação.

Ambas as teorias possuem o mesmo efeito da interpretação econômica e proporcionam à autoridade administrativa desprezar a forma ou a realidade jurídica para considerar tão somente o conteúdo econômico envolvido nos atos ou negócios realizados, corroborando com o pensamento de Sacha Calmon que considera estas teorias uma verdadeira burla a proibição do emprego da analogia visando à criação de tributos não previstos em lei.

3.5 – A visão dos doutrinadores
Alguns doutrinadores vêem o princípio da legalidade como um dogma que não pode se curvar a outros princípios devendo ser observado sempre. Outros entendem que em vez de dogmas devem ser vistos como garantias do contribuinte podendo em determinadas situações, sem prejuízo da segurança jurídica e segundo critérios de razoabilidade e interesse público, prevalecer o princípio da capacidade contributiva. Pode o princípio da legalidade se curvar aos demais princípios, em especial ao da capacidade contributiva, admitindo a ponderação?

Roque Antônio Carraza , quando discorre sobre os princípios constitucionais tributários, afirma que o princípio da capacidade contributiva vem expresso na primeira parte do parágrafo primeiro do artigo 145 da Constituição Federal. Segundo ele, o princípio da capacidade contributiva caminha de mãos dadas com o principio da igualdade contribuindo para realizar os ideais republicanos. Afirma, também, que o legislador tem o dever, enquanto descreve a norma jurídica instituidora dos impostos, não só de escolher fatos que exibam conteúdo econômico, como de atentar para as desigualdades próprias de diferentes categorias de contribuintes, sejam pessoas físicas ou jurídicas. Os impostos, quando ajustados à capacidade contributiva, permitem que os cidadãos cumpram, perante a comunidade seus deveres de solidariedade política, econômica e social. Com isso ajudam a remover os obstáculos de ordem econômica e social que limitam, de fato, a liberdade e a igualdade dos menos afortunados. Assim nada mais justo do que cada um contribuir para o Estado na razão de sua capacidade econômica, de sua riqueza. É um dos mecanismos mais eficazes para que se alcance a tão desejada justiça fiscal.

O princípio da legalidade, segundo Roque Carraza , é uma das mais importantes colunas sobre as quais se assenta o edifício do Direito Tributário. A raiz de todo ato administrativo tributário deve encontrar-se numa norma legal, nos termos expressos no artigo 5º, II, da Constituição Federal. Ninguém pode ser obrigado a pagar um tributo ou cumprir um dever instrumental tributário que não tenham sido criados por meio de lei. A Carta Magna, em seu artigo 150, I, reza que: sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. O princípio da legalidade limita a atuação da fazenda pública que terá de balizar os seus atos calcado neste princípio, sob pena de vê-los invalidados.

Para Roque Carraza , o agente fiscal, no exercício de suas funções, não pode converter-se em legislador, criando novas figuras típicas ou novas sanções, além das rigorosamente apontadas por lei. Os princípios da tipicidade fechada e da estrita legalidade impedem a tributação ou a condenação do contribuinte por presunções, ficções ou indícios. Os contribuintes possuem o direito de ver a atividade fazendária amarrada à lei, que, inclusive, deve conferir-lhes adequados meios de defesa de seus direitos constitucionais. Quando efetua o lançamento, o fisco deve fazê-lo com total imparcialidade limitando-se a sopesar o ato ou fato que vai oficialmente declarar subsumido à hipótese de incidência.

Para Roque Carraza , de forma alguma o fisco pode, para prevenir a elisão fiscal ou para dar efetividade ao princípio da capacidade contributiva, utilizar-se de interpretação econômica (analisar o ato ou negócio praticado pelo contribuinte pela ótica econômica) ou qualquer outro meio, para atribuir ao contribuinte obrigação tributária que não esteja precisamente detalhada e prevista em lei. Em função do princípio da legalidade, o fisco tem o dever de lançar e arrecadar os tributos somente na medida e nos casos prescritos em lei. Somente à lei está reservado interferir na liberdade, na propriedade e nos demais direitos dos contribuintes, bem como impor-lhes deveres, exigindo-lhes um fazer concreto, um suportar ou um omitir. O Direito Tributário é um direito de intervenção estatal e, portanto, o comportamento das autoridades fazendárias, deve ser pautado rigorosamente no princípio da legalidade, mais do que em qualquer outro ramo do direito.

Luciano Amaro , ao comentar este dispositivo legal, afirma que o mesmo deve ser interpretado no sistema jurídico em que se insere, ou seja, em harmonia com as disposições do próprio Código Tributário e da Constituição. Entende que não foi dado à autoridade o poder de criar tributo sem lei, portanto, considera infundadas as críticas a esse respeito. Para ele, o questionado parágrafo não revoga o princípio da reserva legal, não autoriza a tributação por analogia, nem introduz a consideração econômica no lugar da consideração jurídica. Para ele o dispositivo não inova no tocante a interpretação tributária. O que se permite à autoridade nada mais é do que ao identificar a desconformidade entre os atos ou negócios efetivamente ocorridos e os atos ou negócios retratados formalmente, desconsiderar a aparência em prol da realidade. Em resumo, o legislador explicitou o poder da autoridade fiscal de identificar situações em que, para fugir do pagamento do tributo, o indivíduo apela para a simulação de uma situação jurídica, dissimulando a verdadeira situação jurídica.

Sacha Calmon , em artigo publicado na Gazeta Mercantil, tece severas críticas a este dispositivo legal. Para ele o parágrafo único do artigo 116 do CTN, que autoriza a fiscalização a desconsiderar atos ou negócios jurídicos com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador, não é auto-aplicável, pois depende de regulamentação legal. Considera um cheque em branco dado ao fisco para desconsiderar atos e negócios legitimamente praticados autuando os contribuintes por não optarem pela via mais onerosa, quando da consecução de sua atividade-fim. Entende, que há cabimento para normas anti-simulatórias específicas, estipuladoras de presunções relativas, que admitem prova em contrário, no entanto, o ônus da prova deve ser do Estado. Mesmo o ato administrativo gozando da presunção de legitimidade, não dispensa a motivação, a razoabilidade e a proporcionalidade, pois a certeza e a segurança do Direito devem prevalecer. O Fisco, afirma ele, não pode utilizar a analogia para, com base nos resultados econômicos obtidos, mas com inferior custo fiscal, desqualificar o negócio alternativo e a ele aplicar a tributação para o negócio típico. Dessa forma, segundo Sacha Calmon, seria a mais descarada utilização da analogia, contra a segurança jurídica e o princípio da legalidade, inclusive dos atos administrativos. O contribuinte tem o dever de pagar, mas tem, também, o direito de praticar negócios juridicamente lícitos, cujos resultados não sejam proibidos.

Hugo de Brito Machado , afirma que o planejamento tributário é indiscutivelmente uma atividade lícita, pois ninguém pode ser obrigado a escolher, entre duas ou mais formas de proceder igualmente lícitas, aquela mais onerosa do ponto de vista tributário. Além de ser lícita é também legítima a escolha da forma de proceder menos onerosa. Assim, estando o fisco diante de uma situação na qual o contribuinte, embora com a intenção clara e até confessada de fugir ao tributo, ou de reduzir o valor deste, opta pela prática de um ato, ou a realização de um negócio, em vez de outro, desde que não se trate de prática abusiva ou anômala, estará no campo da licitude e contra ele o fisco nada pode fazer. Para ele, a norma antielisão se interpretada em harmonia com a Constituição e aplicada apenas aos casos nos quais esteja configurado evidente abuso de direito, nada vai acrescentar, uma vez que a nossa jurisprudência já admite a desconsideração de atos ou negócios em tal situação. Por outro lado, afirma Hugo de Brito, se a norma em comento for interpretada de forma mais ampla, com alcance capaz de emprestar à autoridade administrativa o poder para desqualificar qualquer ato ou negócio jurídico apenas porque o seu conteúdo econômico poderia estar contido em ato mais oneroso do ponto de vista tributário, estará em flagrante conflito com o princípio da legalidade e em aberta contradição com as normas constantes do próprio Código Tributário Nacional, especialmente as dos artigos 108, § 1º, e 116, caput, inciso I.

Como se pode ver, a doutrina majoritária é amplamente favorável ao contribuinte. Marco Aurélio Greco é um dos poucos doutrinadores que se posiciona favorável a esta norma. Em sua defesa, afirma que nem tudo que incomoda é inconstitucional, cabendo a quem a contesta demonstrar a sua incompatibilidade com as normas constitucionais. Aponta três grandes objeções levantadas contra o dispositivo: a) agride a estrita legalidade, b) viola a tipicidade fechada c) instaura a tributação por analogia introduzindo a interpretação econômica. Refuta todos estes argumentos. Primeiro, alega não ser pacífico que os adjetivos estrita e fechada sejam inquestionavelmente imputáveis ao regime jurídico das limitações ao poder de tributar consagradas na CF/88. Segundo, o dispositivo, não autoriza a utilização da interpretação econômica, simplesmente não dispõe sobre a matéria. Seu objeto não é interpretar a legislação, e sim, assegurar que, se o fato gerador legalmente previsto efetivamente ocorreu, a circunstância de estar disfarçado ou travestido de outro fato não afasta a incidência da lei tributária, cuja eficácia deverá ser assegurada, ainda que seja mediante a desconsideração dos atos ou negócios jurídicos que o encobrem. Terceiro, afirma que não há consagração da analogia pelo fato de a LC 104/01, ao introduzir o parágrafo único ao artigo 116 do CTN não ter alterado o artigo 108 do CTN, mantendo-o intacto. Além disso, o dispositivo tem como referencial básico o fato gerador ocorrido, tal como previsto na norma. Não se trata, portanto, de aplicar a analogia, e sim, atingir o fato gerador disfarçado retirando dele a sua máscara e fazendo incidir a lei tributária ao fato efetivamente ocorrido.

Refutadas as críticas contrárias, Marco Aurélio Greco chega às seguintes conclusões: a) o parágrafo único do artigo 116 é norma de eficácia contida necessitando da lei ordinária para adquirir eficácia plena. b) a norma em questão não é de direito material, mas sim de cunho processual, dessa forma uma vez regulamentada pode atingir fatos pretéritos. c) o ato de desconsideração deve atingir todos os atos ou negócios que compõe o conjunto que tem por efeito dissimular o fato gerador, devendo atingir todas as pessoas que participaram dos atos ou negócios jurídicos que vierem a ser desconsiderados, não podendo se restringir à parte que seja mais favorável ao fisco. d) o ato de desconsideração deve ser anterior ao auto de infração, efetuado por um órgão colegiado de composição abrangente com representantes da sociedade civil sendo assegurado o contraditório e a ampla defesa. Só após isto é que o contribuinte poderá ser autuado, caso a decisão lhe seja desfavorável.

Quando discorre, em seu livro, sobre o tema da interpretação e integração da norma tributária, Marco Aurélio Greco é extremamente feliz em suas colocações. Afirma ele que a lei é clara quando coincide com aquilo que o interprete pensa. Já a lacuna é vista de uma perspectiva inversa; o intérprete vai interpretar até conseguir achá-la e aí apontar que ela existe. Afirma não existir a figura do intérprete neutro. Todo intérprete traz consigo sua carga pessoal, sua experiência, sua vivência, sua ideologia. Só conhecendo a base ideológica de certa posição é possível contestá-la adequadamente. Os que condenam a norma geral antielisão são partidários da ideologia liberal clássica calcada no Estado de Direito, tendo como valores a liberdade, a propriedade e a segurança. Os que a defendem comungam com uma ideologia eminentemente social voltada para o Estado Democrático de Direito cujos valores são a capacidade contributiva, a solidariedade e a isonomia. Os primeiros entendem que a tributação é uma agressão ao patrimônio. Elevam o valor propriedade ao mesmo patamar da liberdade equiparando o direito tributário ao direito penal, daí a importância exacerbada dada aos princípios da estrita legalidade e da tipicidade fechada. Os partidários do Estado Democrático de Direito vêem na solidariedade social o seu valor maior onde todos devem custear as despesas do Estado na medida de suas riquezas daí a importância dada ao princípio da capacidade contributiva.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Como se vê, o tema é bastante complexo e polêmico e, certamente, vai gerar ainda muita discussão. De um lado as autoridades fazendárias e as pessoas ligadas ao governo entendem ser inconcebível que a atividade empresarial e os seus gestores realizem atos sem nenhum propósito empresarial, divergindo de tudo o que se faz no mundo na mesma área de negócios, com o fim único de efetuar elisão fiscal. Rejeitam a argumentação dos contribuintes de que, amparados nos princípios da autonomia da vontade e da legalidade, tenham a liberdade de fazer o que bem entenderem. Não aceitam que a empresa tenha dois modos distintos de agir, um para o fisco e outro para o mundo dos negócios. Afirmam que a administração empresarial não se modifica nem difere muito, em sua essência, de gestor para gestor, de empresa para empresa, nem de nação para nação. Portanto, asseveram que estando a autoridade administrativa diante de atos ou negócios planejados e premeditados sem nenhum propósito empresarial, objetivando atingir única e exclusivamente a redução de tributos, deve desconsiderá-los visando retirar destes a máscara que encobre os fatos efetivamente ocorridos fazendo incidir sobre eles a lei tributária. Atos ou negócios que só se prestam à função de reduzir ou suprimir tributos não tendo mais nenhuma utilidade para o contribuinte. Atos ou negócios que, certamente, não existiriam caso não houvesse tributação.

Por outro lado, os contribuintes não aceitam que o simples fato de procurar caminhos alternativos, visando à economia de tributos, já se configuraria a intenção de burlar o fisco dando margem a que todos estes atos sejam desconsiderados, mesmo praticados dentro da perfeita legalidade. Invocam o princípio da autonomia da vontade e o da legalidade fazendo os seguintes questionamentos: a autoridade administrativa tem o poder de interferir nos atos e na administração dos particulares dizendo como eles devem fazer ou exercer as suas atividades? Diante de caminhos alternativos, igualmente legais, deverão optar pelo mais oneroso só por ser esta a vontade do fisco? O contribuinte não tem o direito de se defender da elevada carga tributária para sobreviver?

REFERÊNCIAS
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 12. ed. São Paulo: 2006.
CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
FABRETTI, Laúdio Camargo. Código Tributário Nacional Comentado. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
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GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. 1. ed. São Paulo: Dialética, 2004.
MACHADO, Hugo de Brito. Planejamento fiscal e crime fiscal na atividade do contabilista. In: PEIXOTO, Marcelo M. (Org.) Planejamento Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2002.
__________. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Senado, 1988. Disponível em: www.receita.fazenda.gov.br. Acesso em: 30 set. 2008.
__________. Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional, Brasília, DF, Senado, 1966. Disponível em: www.receita.fazenda.gov.br. Acesso em: 30 set. 2008.

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