Previdência social: a desoneração irresponsável
7, fevereiro, 2013Por Paulo Kliass
As autoridades da área econômica iniciaram o ano repetindo o antigo mantra a respeito da necessidade de promover reduções tributárias em nosso País, com o objetivo de impulsionar a retomada do investimento e do crescimento da economia. Mais uma vez, a desoneração da folha de pagamentos foi apresentada como uma verdadeira panacéia para solucionar os problemas associados ao chamado “custo Brasil”. Como e os supostos “custos elevados” associados à força de trabalho ou essa nossa estrutura regressiva de impostos fossem empecilho para uma atividade econômica rentável! O nosso sistema de previdência social remonta às inovações constituídas por Getúlio Vargas, ainda na década de 1940. Apesar das muitas mudanças ocorridas ao longo desse período, a base de arrecadação de fundos sempre foi a contribuição sobre os salários. As empresas deveriam recolher o equivalente a 20% sobre a folha de pagamentos, ao passo que os trabalhadores recolhem 11% sobre seus vencimentos. É o chamado modelo de “repartição”, onde a geração de trabalhadores na ativa recolhe os recursos necessários para assegurar o pagamento de benefícios para a geração dos aposentados e demais beneficiários (pensionistas, acidentados, entre outros). Ele funciona como um sistema de solidariedade inter-geracional, em oposição ao chamado modelo de “capitalização”, onde os trabalhadores constituem um “bolo de poupança”, do qual pretendem usufruir no momento da sua própria aposentadoria. A pressão dos empresários e a submissão do governo O que é difícil de aceitar é que um governo eleito por um partido que se diz representante dos trabalhadores caminhe na mesma direção que os empresários e pratique a mesma política dos governos anteriores para a matéria. Lula e Dilma, por exemplo, mantiveram a política de redução sistemática de benefícios, por meio do tão combatido “fator previdenciário”. A promessa de sua revogação é aguardada pelo movimento sindical e pelas entidades dos aposentados desde 1° de janeiro de 2003. Assim, foi sendo mantida uma falsa interpretação a respeito de um suposto déficit estrutural do Regime Geral da Previdência Social (RGPS). As manchetes dos grandes jornais estampavam cifras bilionárias a respeito de uma previdência que estaria inequivocamente “quebrada”. No entanto, à medida que as informações e as análises “não catastrofistas” foram ganhando espaço no debate, percebeu-se aos poucos que a realidade era bem diversa. O nosso regime previdenciário está, até o presente momento, muito bem equilibrado. E mais: ele é até mesmo superavitário. Ou seja, ele arrecada mais recursos de contribuição do que gasta sob a forma de benefícios. A Previdência Social está equilibrada No entanto, à medida que os anos foram passando, os beneficiários do campo foram se aposentando - fenômeno normal e natural. O detalhe, para efeito de análise do déficit previdenciário, é que boa parte dessa primeira geração de beneficiários do campo não havia contribuído ao longo da sua vida laboral, pois o sistema não previa essa hipótese. Assim, os dados relativos aos aposentados e pensionistas da previdência rural devem ser analisados à parte. Eles só recebem os benefícios (despesa) e não contribuíram (receita). Essa diferença, do ponto de vista contábil, deveria ser coberta a cada exercício por recursos do Tesouro Nacional a serem transferidos ao INSS, pois essa foi uma decisão política da Constituinte - recuperar elementos básicos de cidadania para essa importante parcela de nossa população. Portanto, não se trata - e isso é importante ressaltar - de um problema de “ineficiência” ou “desajuste” da estrutura de nosso modelo previdenciário. Os números consolidados para o exercício de 2012 são cristalinos a respeito do equilíbrio do sistema. Ao longo do ano, o subsistema da previdência dos trabalhadores urbanos atingiu a cifra de R$ 277 bilhões de receitas e gastou R$ 252 bi com o pagamento de benefícios. Ou seja, mesmo sem considerar a sonegação e as cobranças judiciais, apresentou um superávit de R$ 25 bi. Já os dados relativos aos trabalhadores rurais, como explicado acima, apresentaram uma receita de R$ 6 bi e uma despesa de R$ 73 bi - totalizando, assim, um déficit de R$ 67 bi. Assim, o valor deficitário global do conjunto do RGPS refere-se à inclusão dessa categoria antes marginalizada. Trata-se de quase 9 milhões de aposentados e pensionistas do campo, que recebem valores de até 1 salário mínimo em 99% dos casos. Essa massa de renda, aliás, é uma das grandes impulsionadoras de nossa economia nesse momento. E mais de 35% desses valores retornam aos cofres públicos sob a forma de impostos. Os riscos de se manter a desoneração da folha Porém, os relatórios e estudos efetuados até o momento demonstram que a arrecadação sobre o faturamento não está sendo suficiente para cobrir os valores que seriam recolhidos, caso houvesse a contribuição sobre a folha de pagamentos. Isso significa que o RGPS não está sendo municiado com as receitas necessárias para manter seu equilíbrio no futuro. Em seu afã de atender às demandas do empresariado, o governo comete o sério risco de montar uma verdadeira bomba de efeito retardado sobre o modelo previdenciário. E as conseqüências negativas podem ainda ser potencializadas, pois há na mesa de negociação uma demanda justa e histórica para que se acabe com o fator previdenciário. Caso adotada, a medida deverá provocar revisão - para cima - dos valores de parcela expressiva dos atuais benefícios. Ou seja, às vésperas de um aumento provável das despesas, o governo estimula a redução das receitas. Uma loucura! É hora de voltar à contribuição sobre os salários O único caminho seguro é o governo recuar dessa aventura irresponsável e apresentar um calendário de retorno ao recolhimento da contribuição previdenciária com base na folha de salários. Assim como a isenção de IPI para veículos era temporária e teve seu fim recentemente, a desoneração da folha de pagamentos também precisa acabar rapidamente. Ao invés de ampliar e generalizar a generosidade, o governo deve reduzir e eliminar os setores beneficiados pela aventura temerária. Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10. |
Outros artigos