Cinema é (mais que) a maior diversão - coluna nº 1
7, outubro, 2008Por Luis Nóbrega
O DIRETOR DA SEMANA: LUIS BUÑUEL (1900/1983)
Nascido na Espanha, Luis Buñuel, mestre do surrealismo no cinema, deixou para a história imagens impactantes como a da lâmina cortando um olho ou as formigas saindo de um buraco na palma de uma mão, contidas em seu primeiro filme Um Cão Andaluz (1929), que, apesar de seus evidentes erros técnicos, continua sendo, na atualidade, a ostentação da imaginação e originalidade (título disponível em DVD, junto com A Idade do Ouro - 1930).
Após haver flertado com o gênero documentário, Buñuel se centrou na ficção, mas seus filmes sempre estiveram carregados de uma forte crítica social, uma denúncia da situação de grupos marginalizados, como ocorreu com Os Esquecidos, uma obra-prima pela qual obteve o prêmio de melhor direção e o da crítica internacional no Festival de Cannes de 1951. Viveu em Paris, nos Estados Unidos e no México, onde rodou alguns de seus filmes mais significativos, como Nazarín (1959) - palma de Ouro em Cannes - ou O Anjo Exterminador (1962). Voltou temporariamente à Espanha para produzir Viridiana (1961), uma dura crítica à falsa caridade, com o qual também ganhou a palma de Ouro, sendo censurado pela Espanha franquista, que proibiu a sua exibição.
Após sua fase mexicana, Buñuel retornou à França, onde rodaria os filmes que lhe trouxeram mais prestígio e com os quais alcançou uma enorme sutileza em suas críticas sociais, além de uma maior liberdade criadora devido aos mais e melhores meios técnicos que tinha em mãos.
Com A Bela da Tarde (1966) conquistou o Leão de Ouro de Veneza; no filme, Catherine Deneuve interpreta o papel de uma burguesa que é incapaz de manter relações sexuais com o marido e passa a trabalhar em um bordel para satisfazer seus desejos e fantasias.
A trilogia formada por A Via Láctea (1968), O Discreto Charme da Burguesia (1972) - que ganhou um Oscar de melhor filme estrangeiro -, e O Fantasma da Liberdade (1974), onde ataca sem piedade a vida burguesa, é provavelmente o ápice de sua carreira, encerrada com Esse Obscuro Objeto do Desejo (1977), considerado menor em comparação com as obras geniais realizadas anteriormente.
O TEMA DA SEMANA: O MUNDO DO TRABALHO
Como não poderia deixar de ser, tratando-se de um espaço sindical, o primeiro tema analisado nesta coluna versa sobre o mundo do trabalho, as suas relações e conflitos, os movimentos paredistas, a atuação dos sindicatos, o desemprego resultante de crises econômicas em diversos lugares do mundo, chegando aos dias atuais, com os efeitos do desenvolvimento do capitalismo e do avanço do neoliberalismo sobre os trabalhadores - e a escassez do emprego, em decorrência da automação - na visão de diversos cineastas ao longo da história do cinema.
É plenamente compreensível que comecemos com o período revolucionário soviético, de onde se sobressai o grande cineasta Sergei Eisenstein, com as suas obras-primas A Greve, de 1924 e O Encouraçado Potenkim, de 1925, tratando de greves promovidas por operários e marinheiros na Rússia czarista.
Passando ao cinema político italiano do pós-guerra, já inaugurando o movimento neo-realista que, com a sensibilidade política e social de seus expoentes, constituiu um referencial da denominada sétima arte entre a esquerda intelectual a partir da segunda metade dos anos quarenta; desse período pontuamos, dentre outros, o belo Ladrões de Bicicletas (1948), de Vittorio de Sica, retratando a luta por um emprego na Itália da época, e o pungente Umberto D. (1952), também de de Sica, contando a história de um velho funcionário público aposentado, que teima em manter a dignidade com a sua parca aposentadoria.
Já O Ferroviário (1956), de Pietro Germi, mostra a face dramaticamente humana de um operário que, por reais motivos pessoais, “fura” uma greve da categoria e passa a ser discriminado por seus companheiros. O tema é novamente retratado no filme A Classe Operária Vai ao Paraíso (1971), de Elio Petri, onde uma espécie de “operário-padrão” - que sonha com os adicionais de produtividade que lhe permitam se inserir no consumismo incipiente da época - começa a tomar consciência de sua cooptação pelos patrões, em prejuízo de sua classe.
Nesse contexto se insere, também, O Homem de Mármore (1976), do cineasta Andrzej Wajda, denunciando a manipulação de um operário pelo regime comunista polonês.
Muito se poderia falar de obras que, nos dias de hoje, retratam o tema em questão, mas, para não me alongar muito, indico os seguintes filmes, que poderão vir a ser objeto de uma análise individual nas próximas semanas: os europeus O Corte (2005), de Costa-Gavras, O que Você Faria? (2005), de Marcelo Piñeyro e O Grande Chefe (2006), de Lars Von Trier; o chinês O Mundo (2004), de Jia Zhang He; e os argentinos Lugares Comuns (2002), de Adolfo Aristarain e A Proxima Salida (2004), de Nicolás Tuozzo, além de A Nuvem (1998), de Fernando Solanas, este, infelizmente, nunca lançado em DVD.
O FILME DA SEMANA: ENRON - OS MAIS ESPERTOS DA SALA (EUA, 2005), DE ALEX GENEY
Documentário. O filme é centrado no escândalo financeiro que abalou a chamada “nova economia”, levando à bancarrota a sétima maior empresa norte-americana, e causando prejuízos bilionários a milhares de investidores da Enron, aos seus funcionários e a beneficiários de fundos de pensão; mediante sofisticadas fraudes contábeis e atuando sistematicamente contra o interesse público, os executivos da companhia fugiram com mais de um bilhão de dólares, deixando um rastro de desconfiança na aparente inabalável credibilidade do sistema acionário da economia do País.
Um filme obrigatório para quem se interessa em conhecer como operam as grandes corporações que dominam o mercado globalizado, sendo, também, imprescindível aos que questionam o modelo de privatização das empresas concessionários de serviços públicos, alvo permanente da cobiça de interesses do capital internacional. Por essas razões, deveria ser objeto de discussão institucional entre os servidores da RFB.
A OBRA-PRIMA DA SEMANA:
UM MIRANTE (1895), DO PINTOR HOLANDÊS LAWRENCE ALMA-TADEMA