Cinema é (mais que) a maior diversão - coluna nº 2
14, outubro, 2008Por Luis Nóbrega
O DIRETOR DA SEMANA: Ettore Scola (Trevico, Itália, 1931)
“O cinema não pode mudar o mundo nem a realidade, mas pode ajudar a refletir”.
Discípulo de Vittorio De Sica, o cineasta italiano Ettore Scola começou sua carreira no cinema como roteirista e foi ator, produtor e assistente de direção. Filho de médico, estudou direito na faculdade em Roma, mas nunca teve a intenção de seguir a carreira. Em pouco tempo, sentiu o fascínio do jornalismo, trabalhando como diagramador de um jornal humorístico. Acabou indo para o rádio onde fazia scripts para comédias, alguns para um programa com Alberto Sordi, então extremamente popular. Em pouco tempo, Scola também já era um roteirista conceituado no cinema. Porém, ele demorou para optar pela direção. Com quase 40 filmes no currículo, Scola descende do seleto grupo de cineastas que transformou o cinema italiano depois da II guerra mundial.
Estreou com o filme Se Permettete Parliamo di Donne (1964), com Mônica Vitti e Vittorio Gassman, que viria a ser um ator constante em seus filmes, e, desde 2003 não produz nada. Sensível aos dramas familiares e aos temas políticos, seus filmes tem em comum essas temáticas, sempre retratadas com bom humor.
Seu primeiro sucesso foi com o filme Ciúme à Italiana (1970), uma sátira à política de seu país. O reconhecimento internacional, no entanto, veio quatro anos mais tarde com Nós Que Nos Amávamos Tanto* (1975), sobre o encontro de ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial. Um ano mais tarde, Scola ganhou o prêmio de melhor direção no Festival de Cannes por Feios, Sujos e Malvados (1976), uma bem-humorada paródia da utopia urbanista do filme Milagre em Milão (1951), de Vittorio De Sica.
Com Sophia Loren e Marcello Mastroianni em Um Dia Muito Especial* (1977), foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Em O Baile* (1983), um filme sem narrativa nem diálogos, apenas com números de música e dança que contam histórias do século XX (guerras, amores e pragas) ele inovou na estética cinematográfica. Com Casanova e a Revolução* (1982) retratou, de forma muito peculiar, a revolução francesa; depois veio O Jantar* (1998) e Concorrência Desleal* (2001), considerado por muitos, o seu melhor filme. Infelizmente, com quase 40 filmes lançados por esse genial diretor italiano (entre eles, Mário, Maria e Mário, A História de um Jovem Homem Pobre e Capitão Tornado), a obra de Scola não chegou ao Brasil na sua totalidade, sendo encontrados apenas alguns títulos em DVD e em VHS.
Uma característica do cineasta é a sua relação com o tempo. Por exemplo, O Baile, A Família e Splendor são filmes que sintetizam décadas da história italiana em ambientes fechados (num salão de danças, num apartamento e num cinema). Já o filme O Jantar passa-se todo num restaurante. Desta vez não existem as diferenças de épocas. As pessoas chegam, jantam, confraternizam ou brigam e, por meio delas, Scola traça o seu retrato da Itália - e da sociedade - de hoje (Do blog Museu do Cinema e Agência O Estado).
(*) – títulos disponíveis nas locadoras; ver interessante entrevista do diretor ao site português cine cartaz, no endereço http://museudocinema.blogspot.com/2007/03/entrevista-ettore-scola.html).
O TEMA DA SEMANA: O IDOSO NA SOCIEDADE
O tema tem inspirado diversos cineastas em todo o mundo, sendo desenvolvido tanto do ponto de vista social e econômico, quanto adotando uma visão psicológica, cultural e sociológica da questão ligada à inserção do idoso na sociedade contemporânea, traduzida pela conotação humanista com que é tratado pelos grandes cineastas.
Filmes como os japoneses Viver (1952), Rapsódia em Agosto (1991) e Madadayo (1993), de Akira Kurosawa, e Balada de Narayama (Shohey Imamura, 1982), os americanos Ensina-me a Viver (Hal Ashby, 1971) e Baleias de Agosto (Lindsay Anderson, 1982), o sueco Morangos Silvestres (Ingmar Bergman, 1957), o italiano Umberto D. (Vittorio de Sica, 1952) e o brasileiro Chuvas de Verão (Cacá Diegues, 1977) constituem bela amostra de como a sensibilidade de um cineasta (com um bom roteiro e boas interpretações, é claro), podem retratar de forma poética a fase final da existência humana.
Mais recentemente, são os argentinos que têm se destacado com essa temática, produzindo diversos filmes que nada ficam a dever aos grandes diretores mundiais; vejam, por exemplo, Lugares Comuns (2002), de Adolfo Aristarain, Conversando com Mamãe (2004), de Santiago Carlos Oves e Elsa & Fred (2005), de Marcos Carnevale, para confirmar essa conclusão.
O FILME DA SEMANA: 11 de Setembro (França/Inglaterra, 2002).
Esse filme se encaixa muito bem na intenção dessa coluna, qual seja a de lançar um olhar diferente sobre o cinema, passando a apreciá-lo como uma manifestação artística que ajuda a refletir - como diz o nosso diretor da semana.
Onze diretores consagrados (Sean Penn, Amos Gitai, Danis Tonovic, Alejandro González Iñárritu, Shohei Imamura, Claude Lelouch e Ken Loach, entre outros), foram convidados a contar histórias de onze minutos relacionadas aos atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos e o fizeram de uma forma absolutamente inesperada, explorando temas que, somente às vezes, têm uma ligação indireta com aquele fato, sendo ambientados em diversos países e situações.
Destaques para o curta que trata da coincidência da data com o onze de setembro do Chile (1973, queda de Salvador Allende); o do viúvo que passa a ter a luz necessária para cultivar as suas flores do pequeno jarro na varanda do apartamento próximo às torres destruídas; e o das crianças trabalhadoras afegãs tomando conhecimento do atentado em sua rústica escolinha.
Um belo filme, facilmente encontrado nas locadoras da cidade, que recomendo com prazer.
A OBRA-PRIMA DA SEMANA: A CAMINHO DE CUZCO OU RAPAZ FLAUTISTA (1954), DO FOTOJORNALISTA SUÍÇO WERNER BISCHOF.