Cinema é (mais que) a maior diversão - coluna nº 4
31, outubro, 2008O DIRETOR DA SEMANA: Walter Salles (Rio de Janeiro, Brasil, 1956)
“O que me fascina é a capacidade de reinvenção que essas pessoas têm, enfrentando situações adversas ...” (sobre os personagens de “Linha de Passe”).
O carioca Walter Moreira Salles Júnior, é o mais importante cineasta brasileiro da atualidade e, apesar de bem nascido (é filho do falecido banqueiro e ex-embaixador Walther Moreira Salles, dono de um grupo de empresas lideradas pelo Unibanco) e de ter morado no exterior dos três aos treze anos, demonstra em seus trabalhos um raro sentimento de brasilidade, incomum entre os artistas com reconhecimento internacional na atualidade.
De volta ao País, Walter Salles continuou os seus estudos e formou-se em economia na Pontifícia Universidade Católica (PUC), mas não seguiu a carreira financeira, tendo se matriculado, em 1979, no curso de comunicação visual da Universidade do Sul da Califórnia.
Entrou na carreira de publicidade, realizando mais de 250 filmes. A partir de 1983, passa a produzir para a televisão: dirige a série “Conexão Internacional”, documentários e programas musicais. Em 1989, realiza seu primeiro longa-metragem, “A Grande Arte”.
Mas o reconhecimento do público e da crítica somente veio em 1995, com “Terra Estrangeira” (realizado com Daniela Thomas), no qual retrata as conseqüências do famigerado Plano Collor sobre as famílias dos protagonistas. O filme foi premiado na França, Itália, Bélgica, Macedônia, EUA, Uruguai e Brasil.
Seu longa-metragem seguinte foi o premiadíssimo “Central do Brasil” (1998), a primeira produção brasileira a conquistar o Urso de Ouro de melhor filme e o Urso de Prata de melhor atriz - para Fernanda Montenegro - no Festival de Berlim, tendo sido indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro de 1998, e exibido em 22 países, chegando a ser premiado, inclusive, no Casaquistão.
No mesmo ano, lança “O Primeiro Dia”, que, talvez pelo estrondoso sucesso de “Central do Brasil”, praticamente passou despercebido.
Somente em 2001 lançou o seu novo filme, “Abril Despedaçado”, versando sobre o círculo vicioso de assassinatos de membros de famílias inimigas - fato ainda corriqueiro nos rincões do País - e na tentativa do jovem protagonista de romper com a maldita tradição, que o condenava a executar o assassino de seu irmão e a se candidatar a ser a próxima vítima da inexorável vingança seguinte.
Seu último grande sucesso foi a produção internacional “Diários de Motocicleta”, de 2004, retratando a vida do argentino Che Guevara, no período que antecedeu à sua entrada no movimento revolucionário cubano, em meados dos anos 1950. Trata-se de um “road movie”, no qual o personagem, vivido por Gael García Bernal, percorre diversos países sul-americanos montado em sua moto, até chegar à Ilha em que fez história.
Após isso, filmou “Dark Water” (2005), sem repercussão no Brasil, e participou dos projetos coletivos “Paris te Amo” (2005) e “Cada um com seu Cinema” (2007), assinando curtas-metragens em cada um deles.
Recentemente, Salles lançou, juntamente com Daniela Thomas, “Linha de Passe” (2008), que se acha em cartaz nos cinemas da cidade. O filme foi selecionado para a mostra oficial do 61º Festival de Cannes e tem como temática, o futebol, a religião e a improvisação, três “esportes” tipicamente brasileiros, no dizer do cineasta, e trata da vida de quatro irmãos abandonados pelo pai ainda no primeiro tempo de suas vidas.
O próximo projeto do cineasta é um documentário sobre o livro de cabeceira daquela que se tornou famosa como a geração beat, “On the Road” (“Pé na Estrada” em português), de Jack Kerouac (1922-1969).
O TEMA DA SEMANA: O MODERNO CINEMA ORIENTAL
O cinema de qualidade produzido em países do Oriente, já não mais se limita aos grandes ícones do passado, como Akira Kurosawa, Yasujiro Ozu, Kenji Mizoguchi, Kaneto Shindô, Nagisha Oshima ou, mais recentemente, Ang Lee (este, antes de “ocidentalizar-se”).
Uma plêiade de grandes diretores japoneses, chineses e coreanos tem surgido nos últimos anos, realizando uma excelente produção cinematográfica, na qual discutem problemas que afligem toda a humanidade adotando uma linguagem universal sem, no entanto, se afastar de suas origens culturais milenares.
Comecemos pelo sul-coreano Kim Ki-Duk, que já foi premiado nos festivais de Cannes, Berlim e Veneza, e que é autor do belo “Primavera, Inverno, Verão, Outono e... Primavera” (2003), seguido de “Casa Vazia” e “Samaria” (2004), “O Arco” (2005), “Time - o Amor Contra a Passagem do Tempo” (2006), e de “Fôlego” (2007), seu novo filme, exibido recentemente em Fortaleza.
Já o chinês Wong Kar-Wai é um dos mais prolixos cineastas orientais com trabalhos divulgados no ocidente, tendo realizado, dentre outros, os seguintes filmes: “Dias Selvagens” (1991), “Amores Expressos” (1994), “Anjos Caídos” (1995), “Felizes Juntos” (1997), “Amor à Flor da Pele” (2000, seu filme mais conhecido no Brasil), “2046 - Os Segredos do Amor” (2004, continuação do anterior) e “Um Beijo Roubado” (2007); participou das filmagens de “Eros” (2004), juntamente com Michelangelo Antonioni e Steven Soderbergh, assinando um dos episódios do longa.
Recentemente foi homenageado com uma mostra especial no canal de TV por assinatura Telecine Cult, e seus títulos participam, com freqüencia da programação da emissora.
Destaques para os também chineses representantes da nova geração, Yang Zhang (de “Banhos”, 1999 e “Flores do Amanhã”, 2005), e Zhang Yuan (de “Pequenas Flores Vermelhas”, 2006), sendo este o mais combativo cineasta independente da China continental, abordando temas ainda hoje tratados como tabu pela conservadora sociedade chinesa, tais como, a mãe solteira em “Mama”, de 1990, e o homossexualismo, em “O Outro Lado da Cidade Proibida”, de 1996.
Também merecem ser citados o chinês Jia Zhang-Ke e o japonês Takeshi Kitano, dois festejados representantes do bom cinema oriental, sem que se despreze a filmografia representativa do oriente médio (iraniana, principalmente, que comentaremos em uma outra oportunidade).
O FILME DA SEMANA: SEÇÃO ESPECIAL DE JUSTIÇA (França/Itália/ Alemanha, 1974).
Sinopse: “Agosto, 1941. Um militar alemão é abatido sob tiros de revólveres. Os autores da morte, jovens da resistência, não seriam detidos. Em represália, os alemães prometiam executar 50 franceses. Mas o governo colaboracionista de Pétain chega com um outro acordo: matar seis franceses ‘legalmente’, sob o amparo da lei. Assim devia ser promulgada uma lei que permitisse condenar sem recurso, nem apelação, cujo texto se aplicaria, retroativamente, às infrações cometidas anteriormente a sua promulgação. A lei criava uma Seção Especial pelo Tribunal de Recursos de Paris, uma jurisdição de exceção, incumbida de matar. Agora só faltava escolher os magistrados para compô-la e presidi-la. O que acontece quando a justiça é pressionada pelo poder?”
Um dos melhores filmes do diretor grego Konstantinos Gavras, mais conhecido como Costa-Gavras, Seção Especial de Justiça coloca o dedo na ferida da grande vergonha nacional francesa, que foi o colaboracionismo com os invasores nazistas durante a denominada República de Vichy, chefiada pelo Marechal Pétain, isso na culta, politizada e, por vezes, arrogante França do século XX.
A sua importância reside, não só pelo aspecto histórico, mas, principalmente, no questionamento sobre a manipulação das instituições jurídicas de um País, na defesa dos interesses dos grupos dominantes, ainda que esses grupos sejam constituídos por invasores, com a conivência de uma parte da população que se beneficia de parcelas do poder usurpado da nação.
O filme tem ainda um particular interesse para os estudantes e profissionais do direito, ao analisar as inconfessáveis tramas que se escondem por trás das autoridades togadas e o esforço dos juízes em aparentar isenção nas decisões prolatadas, que vão flagrantemente de encontro à expectativa da opinião pública; e, na película em questão, essas circunstâncias são agravadas, não só pela aplicação retroativa de legislação prevendo, inclusive, a pena capital, para “crimes” já cometidos antes de sua edição, como pelo fato de não se admitir qualquer tipo de recurso.
Por essas razões, recomendo com prazer, a assistência do filme (ou a sua revisão), que, aliás, se tornou atualíssimo diante de recentes decisões da justiça brasileira.
Luis Nóbrega (nobregaluis@ig.com.br)
A OBRA-PRIMA DA SEMANA: AS IRMÃS E O LIVRO (1997), DO PINTOR IRANIANO IMAN MALEKI.