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Insegurança Funcional, crime organizado e saúde emocional

24, agosto, 2011

(*) João Bosco Barbosa Martins
(**) Silvana Maria Marrocos

O presente artigo tem o objetivo de se reflexionar sobre o atual estado de insegurança que vive hoje o servidor público que está na linha de frente combatendo o crime organizado no país.

Por exemplo, Juízes Criminais, Procuradores da República, Promotores Públicos, Policiais Federais, Auditores-Fiscais da Receita Federal, Policiais Rodoviários, Policiais Militares, Auditores-Estaduais, Auditores de Controle Externo, Oficiais de Inteligência, Professores, vivem atualmente numa situação caótica quanto à segurança preventiva no exercício da atividade funcional.

O crime organizado nada de braçada e às vezes, desesperançados com a corrupção que assola o país, com a violência estampadas nos jornais televisivos que invade a nossa cada, de maneira emocional, até dá para pensar que a guerra está perdida. Quem já foi ameaçado, no exercício da atividade profissional, sabe muito bem do que estou falando.

Com mais sangue derramado, agora com o recente e brutal assassinato da juíza criminal, Patrícia Acioli, o tema da insegurança volta a ser amplamente discutido. Com essa última tragédia o Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Ministro Cezar Peluso, criou no âmbito do CNJ uma Comissão Extraordinária para estudar e propor uma Política Nacional de Segurança Institucional da Magistratura que será presidida pela Ministra Eliana Calmon, Corregedora do CNJ.

Segundo dados do CNJ existem atualmente pelo menos 100 magistrados com a vida ameaçada. Desses, apenas 42 são escoltados diariamente e com certeza não pode levar uma vida normal como qualquer ser humano. Mesmo não sendo especialista no assunto, mas através da leitura de livros, aprendi que o ser humano além da saúde física, mental, social, familiar, espiritual tem a saúde emocional. Ela é que nos dá o equilíbrio vital e o prazer de viver. Então, indago mesmo com o prazer do dever cumprido como pode viver bem um agente público ameaçado, sem segurança institucional, vivendo num Estado que não lhe dá o mínimo de proteção. Cria-se assim, instituições de doentes laborais. Cria-se assim uma possível “Geração Tarja Preta”...

É sabido que, alguém sujeito à pressão do medo, de possível ameaça, estressa-se excessivamente. Notoriamente uma mente esgotada, já não é mais uma mente que pensa realisticamente, ela pensa em demasia ou com decréscimo sobre a vida, as soluções. Bombardeada pelo hormônio do cortisol a resposta aos estímulos externos, poderá desencadear em comportamentos mais agressivos, assustados, recuados, bem como fomentar alterações psicopatológicas como: pânico e depressão, entre outras doenças como cânceres, gastrites que muitas vezes nada mais são que sinalizações, acúmulos dos “Não Ditos”, “Não Resolvidos”, “Não entendidos”.

Nesse mesmo contexto, alguém já parou para pensar como vive a família de um servidor público ameaçado? Como vivem os filhos do servidor vitimado Antônio Sevilha e sua viúva Mariângela Sevilha? Como já se colocou alguma vez na pele da esposa e das jovens filhas do Jesus Ferreira?

Entende-se que o silêncio e a ausência da lembrança das vítimas são, além de uma falta de respeito ao sacrifício dos nossos colegas vitimados e sofrimento de seus familiares, um grande estímulo aos famigerados mandantes e seus matadores, quadrilhas e organizações criminosas.

Temos que alertar e educar preventivamente os servidores públicos de todos os órgãos para os perigos e riscos que envolvem a ação funcional, bem como incutir que, se de um lado, cada agente deve assumir uma conduta prudencial no exercício funcional, de outro lado, à administração cabe zelar e desenvolver mecanismos para a máxima proteção possível dos servidores sob sua jurisdição.

A omissão quanto aos aspectos e medidas preventivas, quaisquer que sejam, resulta em postura que beneficia os criminosos, delinqüentes e assassinos.

Se as vozes silenciadas não se fizerem ouvir, sequer e primeiramente, entre seus próprios pares, aí sim, estaremos incentivando a destruição, não apenas da memória dos que tombaram ou foram atingidos no cumprimento do dever, mas da capacidade de prevenir e proteger o exercício funcional dos servidores.

O sofrimento nas salas das UTIs e o silêncio genuflexo diante das sepulturas devem ser reverenciados e respeitados.

Todavia, não podemos, não devemos e não vamos, no entanto, dar as costas à memória do sacrifício do agente público Jesus Ferreira. Não admitimos que a resignação estóica, ou o conformismo fatalista, nos levem a esquecer o passado, para que não se repitam as mesmas tragédias no futuro.

Há doze anos como ativista da paz e não-violência do Movimento Internacional pela Paz e Não-Violência fiz uma colocação que causou espanto para a sociedade. Declarei que devido ao crescente aumento da violência no país com pouco tempo conheceríamos pessoas próximas vitimadas com arma de fogo. O tempo passou e somente em meu ambiente profissional convivi com dois colegas que foram vitimas. Um assassinado com cinco tiros em Maringá, em 29/09/2005: Antônio Sevilha. E o outro vitimado aqui em Fortaleza, em 09/12/2008: Jesus Ferreira, esse verdadeiro exemplo de um milagre de sobrevivência.

Voltando ao caso da juíza morta com 21 tiros por cumprir seu mister, mais um agravante nessa tragédia sem precedentes. Trata-se da perícia que descobriu que as balas encontradas no local do crime eram da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Esse fato me dá a oportunidade de explicitar mais uma vez a tese que defendo há tempo: “Essa história de Estado Paralelo é balela!”. O crime se alimenta da própria máquina pública através de bandidos transformados em agentes públicos corruptos, covardes, pusilânimes, a serviço do crime organizado.

Para respaldar explicitado, reproduzo as palavras do Deputado Estadual do Rio de Janeiro sobre o estado paralelo. Ele presidiu a “CPI das Milícias”, que investigou a ligação de parlamentares com grupos paramilitares, da qual resultou a indiciação de 225 envolvidos e a apresentação de 58 medidas concretas para acabar com essa máfia, ação que inspirou a realização do filme “Tropa de Elite 2”.

Aduz o parlamentar que vive com escolta policial: “A gente até então não tinha uma história do crime no Rio de Janeiro com tamanha capilaridade dentro do Estado. Não se trata de um estado paralelo, é o crime dentro da máquina pública. Nada melhor para um miliciano que controla uma determinada região do que ser parlamentar e ter braços políticos, ser “amigo” do prefeito, do governador, para poder influenciar na indicação das pessoas que vão organizar, através do estado, aquelas áreas onde ele é o “dono”. Tanto que chegamos ao ponto de termos o ex-prefeito da cidade do Rio de Janeiro chamando esses grupos de “autodefesa comunitária”, diversos policiais e até jornalistas tratando e chamando de mal menor, muitas declarações de que milícia seria melhor que tráfico, usando a milícia como um modelo de segurança.

Após o assassinato da juíza Patrícia Acioli Associação dos Juízes Federais (Ajufe) volta-se a discussão sobre a segurança institucional e preventiva em nosso país. Destaca-se que esse tema vem sendo discutido em Fortaleza, desde 2004, quando o especialista em segurança, Marcus Leal Dantas, palestrou sobre “(IN) Segurança no Exercício da Atividade Fiscal".

Agora a pressão vem com o peso dos magistrados assustados que lutam pela aprovação do Projeto de Lei da Câmara 3/2010. A proposta cria a Polícia Judiciária, que ficaria responsável pela segurança dos tribunais e dos juízes federais, porém ainda existe muita polêmica dentro do próprio judiciário sobre essa proposta. Esse Projeto possibilita, ainda, que haja a instituição de um colegiado, no qual os casos que envolvem integrantes do crime organizado seriam julgados pelo juiz do processo e mais dois magistrados escolhidos por sorteio. O intuito é dividir a responsabilidade pela condenação e preservar o autor da sentença. Concordo, plenamente, com essas propostas, principalmente, com a segunda que despersonaliza a decisão do magistrado.

Em entrevista ao Jornal Correio Brasiliense, o ministro Março Aurélio Mello do STF critica a proposta de criação da polícia e discorda da proposta de dar poder de polícia aos agentes de segurança. E acrescenta "Uma polícia paralela não é interessante para o Estado. Precisamos combater sem trégua a delinquência, mas, para isso, é preciso que o Estado dê segurança a quem é ameaçado, não só ao juiz, mas também ao cidadão comum", pondera.

Já o Presidente da Ajufe, Gabriel Wedy, por sua vez, acredita que a sentença coletiva levará mais segurança aos magistrados, sendo um grande avanço no combate ao crime organizado e transnacional.

Concordo com a Ajufe e sou a favor da criação da Polícia Judiciária. E aproveito o ensejo para defender a criação da Polícia Aduaneira. Porém, vou justificar essa minha posição em outro artigo.

* João Bosco Barbosa Martins é Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, com exercício na Alfândega do Porto de Fortaleza. É, também, ativista pela paz e não-violência, membro organizador do Projeto “Fortaleza em Paz” e colaborador do Programa “Conduta Inteligente”.

** Silvana Maria Marrocos é Psicóloga Clínica, capacitada em Psicoterapia Breve (PB), formada pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e pós-graduanda em Neuropsicológica pela Faculdade Christus.

Este artigo reflete as opiniões do(s) autor(es), e não necessariamente da Delegacia Sindical do Ceará. Esta Delegacia Sindical não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizada pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.