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Seminário no Rio debate impactos do trabalho no cotidiano do Auditor-Fiscal

1, julho, 2013

As mudanças no ambiente e nas condições de trabalho foram objeto de amplo debate no seminário “Relações de Trabalho: as transformações no serviço público e o cotidiano do Auditor-Fiscal”, promovido pela DS/Rio de Janeiro, no dia 25 de junho.

Questões como metas de produtividade, remuneração por desempenho e a implantação do teletrabalho foram analisadas por 80 Auditores, oriundos de diversas localidades do país, com o apoio de pesquisas acadêmicas e relatos de experiências cotidianas.

O encontro foi marcado pela franca exposição dos problemas que mais interferem na vida laboral dos Auditores-Fiscais, na atualidade. A partir desse intercâmbio, foi possível constatar que, além do esvaziamento progressivo de seus quadros, a Receita Federal vem se tornando, em nível nacional, um ambiente de pressões, desigualdades e estresse constante para quem vivenciou outras épocas e ainda está na ativa.

Cenário – A introdução de novas ferramentas de trabalho, calcadas em sistemas informatizados que nem sempre funcionam – ou para os quais falta treinamento adequado –, alia-se às exigências institucionais de maior produtividade individual, setorial e até regional. O sistema de metas, baseado em modelo gerencial já ultrapassado, importado da iniciativa privada, trouxe para a Receita métodos de controle e aferição de desempenho dos Auditores que não se coadunam com a essência do serviço público.

Em contrapartida, inexiste um estudo sobre os impactos dessa acelerada transformação da “cultura organizacional” na saúde dos servidores – embora seja evidente, em diversas unidades, que o nível de fadiga, desgaste e desestímulo começa a provocar adoecimentos.

No entendimento dos Auditores presentes ao seminário, além da reflexão, o posicionamento do Sindicato sobre esse processo, que cria séria ruptura nas referências institucionais e laborais, é imprescindível para nortear a categoria neste momento de grandes transições.

Resumindo a constatação geral, o Auditor Marcelo Lettieri (DS/CE), um dos palestrantes, reiterou: “quando a qualidade do trabalho começa a ser deixada de lado em prol da quantidade do trabalho realizado, isso tem um efeito terrível na questão da responsabilidade. É preciso coragem para enfrentar o debate de que a Receita Federal tem hoje uma estrutura que desmotiva as pessoas. Estamos perdendo a noção do que somos e da qualidade do que realizamos. É essencial rediscutir o modelo de administração tributária vigente hoje na Receita Federal”.

Sentimento coletivo

Conforme destacou o Diretor de Comunicação da DS/Rio, Luiz Bicalho, mais do que apresentar conteúdos teóricos, o intuito do seminário foi “mostrar que é possível ouvir as colocações dos colegas”. Mas, para promover mudanças, também é preciso que as pessoas se reúnam “à moda antiga” e “conversem entre si”.

Por isso, no encerramento do encontro, Bicalho solicitou aos presentes que avaliassem seu ambiente de trabalho. Reproduzimos os depoimentos, que sintetizam o cenário atual da Receita e o sentimento dos Auditores que participaram do seminário. Nomes e locais de lotação foram preservados.

“Antes, organizava melhor a vida, ficava perto da família. A Fiscalização virou uma angústia, porque as metas estão ficando inalcançáveis. As pessoas vão se estressando. É um caminho perigoso que a Receita está tomando e precisamos discutir isso. A Administração está jogando toda a responsabilidade sobre o Auditor e nosso Sindicato está em silêncio” – Auditor de Poços de Caldas

“As pessoas já entram [na Receita] pensando em sair. Não se vê ninguém com entusiasmo para trabalhar. As exigências são outro ponto. Com a pressão da Administração já não se faz nada por prazer. A seleção dos profissionais... agora tem banco de dados e entram pessoas que chamamos de ‘carreiristas’. Esse quadro se reflete no trabalho de todos os colegas. Produzem para fazer a conta deles. Não vejo um grupo de trabalho formado para mostrar a própria qualificação” – Auditora do Rio de Janeiro

“Pertenço ao grupo (...). Estamos com uma carga de 8 mil processos e somos cinco auditores. Qualquer meta estabelecida é um exercício de ficção. Minha realidade é completamente diferente da Aduana, da Fiscalização. Me sinto lá atrás. Nossa grande dificuldade são os sistemas. Muitas vezes dão ‘pau’, perde-se um tempo enorme... Também acho muito boa a integração entre os colegas. O teletrabalho não me sensibiliza, pelo menos neste momento” – Auditor do Rio de Janeiro

“Tenho prazer em vir trabalhar, venho cantando. Quando começo a gostar, o Sief cai. Aí, me disseram: “agora é e-processo”. Mas é tudo dentro do Sief e cai. Então, se tem sistema é bom, porque gosto de trabalhar. A minha dor maior é a sujeira. Quem limpa o ar refrigerado agora sou eu. Tudo muito sujo. Peço que nenhum amigo meu queira me visitar no trabalho, porque eles acham muito chique eu trabalhar na Receita Federal. Aliás, quem quiser vir para o setor, vagou uma mesa porque o estagiário foi embora” – Auditora do Rio de Janeiro

“O maior problema na Demac do Rio é a lotação. Nossa Demac, sozinha, tem 12% da arrecadação do país. Todo o trabalho lá é de altíssima complexidade. No momento em que se colocam os maiores contribuintes numa unidade e se tira pessoal, cria-se um grande problema. Compensa o bom ambiente de trabalho, a interação” – Auditor do Rio de Janeiro

“O Sindicato precisa criar um Grupo de Trabalho para analisar o BSC [balanced scorecard – ver palestra do Auditor Marcelo Lettieri sobre Neogerencialismo] e ver a questão do AJI para assédio moral” – Auditor do Rio de Janeiro

“A Receita hoje reflete a concentração de poder em Brasília e o esfacelamento do poder regional. Precisamos promover mais encontros como este e buscar o ‘feedback’ das chefias imediatas. O sentimento de justiça aumenta e é melhor para todos. Vamos procurar ficar unidos” – Auditor do Rio de Janeiro

“Assédio moral, pressão por metas, são recorrentes. Na Alfândega, os plantões foram instituídos, mas a Receita não deu acomodações adequadas. Fiz parte de um grupo que investigava crimes. Fazíamos nossa investigação, estabelecíamos as metas e os trabalhos eram de grande qualidade. Quem permanece no grupo tem a determinação de fazer esse trabalho de qualidade e não se curvar à lógica de que as metas têm que ser cumpridas de qualquer jeito. Essa realidade de que todos têm que cumprir a meta pode ter um movimento de resistência” – Auditor do Espírito Santo

“Estive um ano na Fiscalização e foi um período infeliz para mim. Chega gente nova [na Receita] com mentalidade absolutamente neoliberal, chefias comprometidas com elas próprias, não é um ambiente em que seja bem visto o hábito de conversar com todo mundo. As pessoas vêm doutrinadas para fazer um trabalho pontual, somente o que está definido na DI, sem olhar o processo todo. Faço questão de lembrar aos novos que não há momento de mais solidão na vida de um funcionário público do que o PAD. E que não há um chefe que dê a mão ao subordinado que estiver nessa situação porque não viu tudo. E hoje temos chefes que não se comunicam; às vezes, só se comunicam somente via notes. É nesse ambiente que estamos trabalhando” – Auditora de Uruguaiana

“Parabéns à DS/Rio pela iniciativa. Sou oriundo da Previdência e quero a liberdade para trabalhar que tinha lá. Comecei numa pequena delegacia, que tinha almoços mensais com antigos colegas, conhecíamos os aposentados, nos reuníamos. É preciso celebrar a união, estar unidos para vencermos os embates” – Auditor do Rio de Janeiro

“Na questão da saúde do Auditor e do servidor, de forma geral, estamos em situação primitiva. Não temos exames periódicos, acompanhamentos, nada. Estamos em situação de pré-revolução industrial. É como se o ambiente de trabalho não gerasse uma série de questões de saúde física e mental. E numa organização gigantesca como a Receita é inconcebível que não haja uma estrutura para dar conta da saúde do trabalhador. É uma fronteira imensa a vencer” – Auditor de Campinas/Jundiaí

“A frase que quero destacar está no ‘folder’ do seminário: ‘a gente trabalha, trabalha, mas parece que estamos sempre devendo algo’. Vivenciamos isso em 2012, na época da greve. Como foi uma greve em que não sabíamos direito pelo que estávamos brigando, aquela situação pessoal do nosso trabalho, de pressão, nos levou a uma união coletiva para combater a questão das metas. Foi uma iniciativa conjunta de todas as DRJ. A gente não pode fazer o trabalho de qualquer maneira. Procuramos não cair nessa queda de qualidade. Se a gente quer melhoria salarial, não pode perder a atribuição e a capacidade intelectual, que é a natureza do nosso trabalho. Não podemos ficar no campo da reclamação pessoal porque isso não leva a nada. Temos que questionar as condições de trabalho nas unidades. Até hoje o teletrabalho não foi implantado porque houve uma reação sobre as metas. Não podemos deixar isso acarretar um serviço público de menor qualidade” – Auditor do Rio de Janeiro

“Fui da Fiscalização por dez anos e chegou um momento em que resolvi não participar mais daquela situação. Estou na (...) e hoje temos uma quantidade de processos medidos por hora. A fiscalização ocupa 70% das horas. Anualmente, aumentam as metas e a pressão. Se o fiscal fizer um curso ou ficar doente, aquilo fica embutido nas 30% restantes que ele teria para fazer outras atividades. Espero que nosso Sindicato enfrente o problema, porque essa é a grande questão: o sindicato não está enfrentando o que nos aflige no dia a dia. Os colegas estão adoecendo, adquirindo problemas familiares e pessoais” – Auditor do Rio de Janeiro

“Temos um problema de proposta e objetivo: temos um Estado que dá condições ao grande capital de obter o maior lucro possível. Não é a ferramenta do teletrabalho que é ruim. Nós temos que aprender a utilizá-la e ir à luta. País civilizado é o país que respeita as pessoas” – Auditor de Campinas/Jundiaí

“Levar o escritório para casa acaba por eclipsar, invadir o espaço privativo. Não se trata de um ganho de lazer, de tempo. Trata-se do tempo que o sujeito fica à disposição do trabalho, sem um regramento. O elemento ainda não apontado e matriz de maior sofrimento é a introjeção. Quando o sujeito sai do espaço privativo e vai à oficina de trabalho, adapta sua subjetividade. No encontro com o outro, no diálogo, o sujeito ganha na construção dos laços. Esse é o momento em que se divide a tarefa e, uma vez concluída, há com quem compartilhar. É um assunto vital. Comprar a ideia do teletrabalho é como recorrer a agiota – é uma dívida eterna” – Auditor de Porto Alegre

“O teletrabalho nos expõe ao assédio moral. A relação passa a ser individual e linear – a pessoa e o chefe. Perde-se a rede de proteção que a comunidade dá. Além disso, aumenta a solidão que a pós- modernidade traz, aumenta o individualismo e quebra essa cultura construída em conjunto que temos na Receita Federal. A meta pela meta, o autoritarismo do chefe, o gerencialismo passam a ser mais fáceis se estão somente você e o chefe” – Auditor de Belo Horizonte

“O teletrabalho é como no livro 1984. O escritório não é mais seu ambiente de trabalho, agora é sua casa. E existe uma sedução em torno disso, uma oferta de ganhos que não se realiza. É um processo vampiresco. Mas, para um vampiro entrar em sua casa, você tem que abrir a porta. Estamos numa fase de abrir a porta para o vampiro. Daqui a pouco, você está sendo acordado por uma TV de 80 polegadas, tudo controlado. É a introjeção da forma mais despudorada possível” – Auditor do Rio de Janeiro

“Devíamos multiplicar essa iniciativa. É fundamental organizar isso. Confesso que pela primeira vez na vida, talvez, estou fazendo algo e sendo cobrado pelo chefe, que diz que quer se aposentar. Me sinto em dívida. A chefia é uma coisa impessoal. E a gente ouve sempre dizer que a culpa é do sistema. Mas, no fundo, existe uma superapropriação das forças do trabalho, uma superexploração” – Auditor de Campinas/Jundiaí

“Mesmo quando um colega paga sozinho sua ‘dívida’ [com a meta], é como se pudesse dar um pouquinho mais” – Auditor do Rio de Janeiro

“Não se poderá fugir da nova modalidade do trabalho. O que podemos fazer é colocar condições. Senão, vai virar telemarketing e a gente perde a inteligência. Vamos colocar nossas metas, exigir flexibilidade. O cara fica isolado, não tem mais troca de experiência, discussões, trocas de ensinamentos. Já tivemos um grande golpe com o Funpresp. Hoje se fala em produtividade. Na década de 70 , dizia-se que as empresas deviam valorizar o capital humano. Eu quero ter a liberdade de fazer sem ser vigiado. Queremos o aprimoramento e a valorização do indivíduo. Somos humanos; não estamos aqui para morrer pelo trabalho” – Auditor aposentado

“Meu colega fala que o teletrabalho não tem volta. Mas as ruas têm demonstrado que não existe caminho que não tenha volta. Podemos mudar a realidade. Quero externar uma preocupação: estamos nos transformando em proletários de linha de produção e o sindicato não está enfrentando isso. Pior: ainda coloca a questão da remuneração variável. Precisamos alterar essa realidade. Temos que ter clareza que esse tipo de remuneração variável é prejudicial. Essa ideia é da Administração, encampada pela direção nacional [do Sindifisco] e está sendo jogada para a categoria” – Auditor do Espírito Santo

“A DEN passa a sensação de que não existem problemas ou que ela resolve todos eles. Não faço teletrabalho e me sinto em dívida constante. Quando o colega coloca a necessidade de irmos ao trabalho, é importante. Tanto quanto encontros como este, para sabermos que outros colegas se sentem da mesma forma. Antes, na minha unidade, nós éramos um grupo. Seis colegas saíram. Uns porque não concordavam com a forma dos autos e foram convidados a sair. Outros, porque desistiram dali. Todo trabalho do Auditor é complexo e daqui a pouco não vamos ter mais colegas para realizarem esse trabalho. Temos vários colegas loucos para se aposentar, contando tempo para isso. Outros, não se preocupam com a instituição. Eu continuo trabalhando do jeito que acredito ser o correto” – Auditora de Niterói

“Destaco o esvaziamento também aqui. Há pouca gente aqui. Não sei se é uma questão do século XXI, com seu individualismo, ou se as pessoas estão correndo atrás das metas. Sinto falta das pessoas aqui, porque essa ausência dificulta o trabalho do sindicato. Há falta de estrutura na Receita. A gente não tem treinamento, equipamento, livros. Estou há pouco tempo na Fiscalização e não me sinto apta a cumprir as metas. Tive questionamentos em alguns autos e fui perguntar aos colegas. Cada um tinha uma interpretação, um caminho. Mas quem está começando tem dificuldade de escolher um caminho. Falta apoio da administração, falta instrutor presencial, sinto falta das reuniões para trocas de ideias sobre os trabalhos desenvolvidos, os problemas das pessoas. Estamos cada vez mais isolados. É a proletarização do Auditor-Fiscal. O plantão fiscal vai se transformar num telemarketing. Mas o grande problema do telemarketing é que você liga cinco vezes e cada um dá uma resposta diferente. Não temos treinamento, mas temos meta a cumprir. Sinto vergonha pela Casa, que nos coloca ali sem condições” – Auditora do Rio de Janeiro

“Estou com muito trabalho na (...). Sou de um tempo em que a Receita fazia muitos treinamentos, encontros de nível nacional, trocas de ideias. Agora, só a DS do Rio toma essa iniciativa. Fiz treinamentos até em empresas privadas. Uma delas me enviou um texto que diz que a parafernália tecnológica não deve substituir o homem. Depende de nós. Ainda temos alguma chance. Sabemos que os superintendentes dependem de verbas em função das metas. Mas somos nós que assinamos nossos trabalhos. Temos que deixar esse relativismo para privilegiar nosso trabalho. Convencer os colegas que não têm essa consciência que estamos aprofundando aqui” – Auditora do Rio de Janeiro

“Pensei que o problema fosse só meu. Falta de treinamento, de orientação. Quando se vai atrás, ninguém sabe. O que mais assusta é saber que uma quantidade enorme de colegas está se aposentando. Como vai ficar a Receita? Estão tirando gente da Fiscalização e colocando no Departamento de Pessoal. Quando quero conversar alguma coisa, as pessoas pedem silêncio, como se estivessem na época da ditadura. Do que precisamos ter medo? Se estou criticando é porque eu quero melhorar o serviço. Até minha família critica o atendimento do plantão fiscal! Não há preparo para o atendimento. E cada caso é único. Como pode tirar alguém da atividade-fim para colocar na atividade-meio? Vamos refletir! Na atividade-meio a chance de responder um PAD é menor. Na atividade-fim, é muito grande. E no teletrabalho, quem cuida da segurança do nosso sistema de informática, em nossa casa?” – Auditora do Rio de Janeiro

“Um colega disse que o teletrabalho é uma coisa definitiva. E, de fato, é. Em 1985, antes do PC [computador pessoal], numa empresa de engenharia, participei de trabalho baseado na obra de Alvin Tofler, a Terceira Onda. Tofler previu que os horários de trabalho seriam flexibilizados porque o custo dos deslocamentos e da mão de obra seria astronômico. Então, todo trabalho seria feito em casa, toda casa se tornaria um escritório. Eu não quis o teletrabalho. Sou de uma cultura diferente, gosto de ver os colegas, conversar com eles. Mas os colegas mais novos gostam, sentam no Facebook e se conectam com o mundo. O teletrabalho será, provavelmente, para quem quiser trabalhar assim. Acho que devemos discutir como isso será colocado e desenvolver métodos” – Auditor do Rio de Janeiro

“Ouvimos aqui grandes questionamentos sobre a meta e como os colegas estão trabalhando, a pressão que estão recebendo. O pessoal da ‘externa’ age de forma diferente. Eles são pressionados, mas são mais individualistas. É assim que a coisa tende a ficar, na questão das metas, para todo mundo. O teletrabalho traz grandes vantagens em custos para a Administração. Não é uma benesse para o servidor, é interesse da Administração. No último Conaf, foi aprovada moção de que todos os Auditores deveriam ter direito ao teletrabalho, mas sem os 15% de acréscimo na carga de trabalho” – Auditor do Rio de Janeiro

“Deveríamos nos preparar melhor, aprender mais e nos preocupar com a qualidade. É lamentável que haja tão pouca gente aqui, mas está todo mundo preocupado com metas individuais. Se forem estabelecidas metas de produtividade individuais, isso vai ficar ainda pior” – Auditor do Rio de Janeiro

“Está em jogo o discurso do sistema de trabalho em equipe, que contraria o discurso colocado nas reuniões. Tudo isso está sendo dilapidado. É visível a perda do pessoal de apoio, a falta de renovação de quadros. Nem sempre os antigos têm como passar seu conhecimento aos que ficam. Isso chega à questão do desestímulo das pessoas que assumiram cargos de chefia. Há uma grande pulverização na categoria e na qualidade de trabalho” – Auditor do Rio de Janeiro

“O trabalho na Receita era muito feito em reuniões em grupo. O teletrabalho já existe há quase 20 anos. Nosso problema se chama nuclealização da sociedade e não é somente da Receita. Somos da geração que quebrou. A questão do teletrabalho é trabalhar quase em simbiose com a máquina. Isso vai acontecer, inexoravelmente. O problema é a separação das pessoas, o fim dos grupos, da interação. Nós necessitamos dessa interação. Temos que interagir assertivamente, profissionalmente. A grande mudança que a gente tem que refletir é que isso é um aspecto da sociedade moderna. A primeira coisa a pensar é na abrangência social disso aí e não só na nossa organização” – Auditor de Brasília

“A gente identifica muitas questões em comum. Na Receita, só vejo aposentados felizes e eles não têm tempo para nada! Os ativos têm uma pontinha de inveja disso. E uma angústia de que o trabalho está nos fazendo sofrer demais. As metas se transformaram num fim em si mesmo. Só falamos delas como objetivo: cumprir a meta. Em algumas empresas privadas, começou a haver uma competição interna – não para cumprir as metas, mas para um se diferenciar um pouco do colega. No serviço público, como está tudo virando um inferno, tirar a pessoa de algum setor já nem incomoda tanto” – Auditor do Ceará

“Quem está adoecendo hoje são os jovens. Não é o problema de inadequação à modernidade, à informática. Essa é a parte visível. Nosso problema é de concepção de meios do trabalho. É uma questão de opção de como usar o que há de novo e dar sentido às mudanças que ocorrem. Cabe a nós protagonizar isso. O esvaziamento da presença sindical na atividade coletiva é assustador. O teletrabalho é mais um requinte de como colocar em execução a intensificação do trabalho – e isso é você não ter tempo nem para respirar! Precisamos resistir, mas com esperança. E redescobrir a importância da afetividade. Mantivemos acesa no sindicato a chama da união e acho que, se resistirmos mais um pouco, a cavalaria chega!” – Auditora do Rio de Janeiro (aposentada)

Quando a modernidade traz angústia

As novas configurações do ambiente e das finalidades do trabalho, na Receita Federal, estão gerando a angústia pela sensação de “dívida impagável” em relação às metas impostas. Como nem sempre é possível dar conta das “exigências numéricas”, as pessoas se veem no dilema de sucumbir à modernidade e cumprir os prazos estipulados ou manter o nível de atenção e detalhamento, mesmo enfrentando enormes pressões.

Enquanto isso, surge no serviço público a possibilidade do trabalho remoto, ou teletrabalho, que introduz outro dilema – resolve os problemas de mobilidade urbana, nos grandes centros, mas retira o ser humano do convívio cotidiano com os colegas, além de interferir na relação casa/escritório.

Os palestrantes do seminário promovido pela DS/Rio apresentaram questionamentos e pontos para reflexão em grupo sobre o que acontece hoje no mundo do trabalho – e, de modo particular, no serviço público.

Teletrabalho: benefícios para quem?

A Profª Márcia Regina Castro Barroso é cientista social, doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e servidora estadual. Em 2009, ao estudar o mundo do Trabalho, decidiu concentrar sua pesquisa no teletrabalho, o que resultou numa dissertação de Mestrado prestes a ser publicada.

Uma das constatações, ao longo da pesquisa, diz respeito aos limites frágeis na relação de trabalho executado em domicílio, com o recurso da informática, mas em permanente contato com a “base” empregadora. Ao pesquisar alguns segmentos da iniciativa privada que adotaram o teletrabalho, Márcia percebeu que “o trabalhador se sente sempre numa condição de estar em dívida. Ele não precisa ficar dizendo o que está fazendo, mas a noção de vínculo se pulveriza. A mente se volta para o labor. Sua adesão é tal que pode acarretar o aumento o ritmo de trabalho”.

Na Administração Pública, o Serpro foi o pioneiro na adoção do sistema, em 2005. Em 2012, o TST implantou uma norma (Lei 12551/2011) para seus quadros internos que tem servido de modelo para outras instituições – e até mesmo para os empresários, pois o teletrabalho ainda não está regulamentado.

Serviço Público – Quando se trata do Serviço Público, há muito a ser definido, começando pelas condições de implantação dessa modalidade na residência dos servidores. Na Receita, emergem questões como o tempo à disposição, o pagamento das despesas com logística e equipamentos, a segurança imprescindível à manutenção do sigilo fiscal, entre outros aspectos.

“No TST, há metas de desempenho diárias, semanais ou mensais, dentro dos parâmetros da razoabilidade e em consenso com os servidores. A carga de trabalho estabelecida é de, no mínimo,15% acima dos servidores presenciais. Espera-se, portanto, que o teletrabalhador do TST tenha maior produtividade que os demais. Essa é a discussão a ser feita pelos Auditores-Fiscais: como o teletrabalho pode reverter em benefícios para os servidores”, avalia a professora.

Segundo ela, o trabalho a distância tem mecanismos simbólicos de controle. “Vende-se um pacote de expectativas e vantagens, mas o que a pesquisa percebe é que a liberdade e a autonomia não têm muita expressividade. O teletrabalhador tem um sentimento de dívida constante. A possibilidade flexibilização de horário de trabalho e alguns mimos cotidianos se esvai – o que acaba ocorrendo é a indiferenciação da vida privada da laboral”, destaca a pesquisadora.

Teletrabalho na Receita: críticas

A diretora da DS/Rio, Celia Satiyo Seto (foto), lembrou que, durante a campanha salarial de 2012, o teletrabalho foi colocado em discussão, uma vez que a Portaria 947v(abril de 2012), regulamentou a experiência piloto em algumas unidades previamente autorizadas pelo Secretário da Receita Federal.

Celia Seto apresentou alguns pontos negativos dispostos em forma de Manifesto pela DS/Pelotas. Entre eles, estão o individualismo, a perda de convívio com os colegas, responsabilização e culpabilização. A pessoa não tem mais o debate, não tira dúvidas, vai ficando isolada, o que se contrapõe com o papel e natureza do trabalho do Auditor-Fiscal.

De acordo com o manifesto, o servidor fica subordinado a questões numéricas e perde a visão da qualidade do trabalho, pois está mais preocupado com o próximo auto de infração. Critica também a portaria pela exigência do cumprimento adicional de metas – na experiência-piloto de Pelotas, a produtividade aumentou em mais de 10% e a redução de custos superou os 40%.

A aferição das metas condiciona a permanência do Auditor no projeto. Portanto, a avaliação é mais quantitativa. Outros pontos negativos são o fato de ficar sempre conectado à internet e acessar o correio institucional; as despesas com equipamentos são pagas pelos servidores; a menos valia profissional, a partir da possiblidade de desligamento do projeto, caso não atinja as metas estabelecidas pela administração; o surgimento de problemas de ordem psicológica, em razão das pressões.

Onde fica a alegria de trabalhar?

A Auditora Vera Teresa Balieiro (foto), também diretora da DS/Rio, falou sobre as transformações do mundo do Trabalho a partir das diferentes faces da globalização. Ela expôs aos colegas os resultados da extensa pesquisa de campo realizada com diversos servidores públicos que fundamentou sua monografia na Especialização em Ciências Políticas e Cultura do Departamento de Ciências Sociais da PUC/Rio.

“Estamos hoje em mobilidade permanente. Se o capital está aberto, o trânsito das pessoas está limitado. Existe uma perda de poder das pessoas como cidadãs. Estamos todas em várias posições. Cada um de nós tem várias facetas. A fragmentação da personalidade do mundo se reflete no mundo do trabalho e nas nossas condições de trabalho”, afirma a Auditora.

Pressão – Vera observa que o Brasil teve avanços de direitos com a Constituição de 1988, mas os setores organizados, que tinham direitos consolidados, vão no sentido inverso. “O modelo atual traz a responsabilidade para baixo e centraliza o controle e as decisões. Os tomadores de decisão estão distantes do local onde as decisões produzem efeitos. A pressão fica para o trabalhador”.

No contexto do serviço público nacional, surgiram elementos como terceirizações, cooperativas, precarização dos setores mais organizados e perdas de direitos coletivos dos servidores. Como resultado, o trabalhador foi perdendo a capacidade de se divertir – no sentido de encontrar satisfação e alegria – em seu trabalho e aquilo que produz.

Ao entrevistar servidores para saber como encaram o quadro de precarização de seu universo laboral, Vera Teresa registrou a angústia de uma servidora da Justiça, por não dar conta das demandas que aumentam numa época em que os servidores diminuem, numericamente:“hoje, para trabalhar direito, eu não poderia cumprir a meta”.

Pelos resultados obtidos em sua investigação, a Auditora conclui que: “os mais antigos falam na perda de prazer no trabalho. Os mais novos, que o trabalho é apenas um ganha-pão. Muitos veem o trabalho como algo penoso a ser feito. Muitos fazem da empresa pública um trampolim para adquirir experiência e entrar no mercado de trabalho privado. E há a intensificação sem limites do trabalho, a possibilidade de erro que mantém a pessoa em constante alerta, as metas atingidas à base de maquiagens nos atendimentos no setor da saúde. Este é o trabalho que adoece”.

Novo gerencialismo com modelos ultrapassados

A Auditor Marcelo Lettieri (DS/CE) advertiu para a importação de modelos ultrapassados e sua implantação no serviço público federal, com a premissa de que a eficiência é medida a partir do resultado numérico.

“Os tempos modernos mostram que cada um está apertando mais seu parafuso, a cada dia, mas perdendo o sentido de seu trabalho. O discurso de eficiência, de resultado, de administração gerencial, deixa claro isso”, afirma Lettieri.

Segundo ele, a “nova moda” para aferir resultados chama-se Balanced ScoreCard (BSC). É um método para medição e gestão de desempenho desenvolvido em 1992, em Harvard, por Robert Kaplan e David Norton, e implementado através de indicadores. Em 2004, os autores fizeram uma adaptação para ser usado na administração pública.

“Recompensa” – De acordo com o BSC, o servidor só vai seguir a estratégia se for vinculada ao que faz no dia a dia. Assim, é preciso chamar a atenção sobre as prioridades estratégicas e oferecer uma “recompensa” quando a instituição atinge os objetivos. O pagamento por desempenho mantém a promessa de fornecer tal vínculo.

“A ideia da nova administração pública é que a competição é favorável. Hoje, até as Superintendências competem até por recursos. Mas o BSC no setor público é um fracasso”, alerta o Auditor.

O insucesso decorre de algumas situações que não se coadunam com a essência do serviço público. Exemplos: a remuneração por desempenho desestimula trabalhos em grupo; a implantação em alguns órgãos gerou comportamentais disfuncionais – competição interna, deturpação de funções, negligenciamento de tarefas e visão de curto prazo; o nível de subjetividade na medição de desempenho gerou impacto negativo sobre o comportamento dos funcionários, desmotivando-os e desmoralizando os prêmios; a mudança na remuneração para modelos mais flexíveis, baseados em recompensas por desempenho individual, acirra a competitividade, prejudica a equipe e ameaça as atribuições.

“Ocorre que o BSC está sendo implantado sem qualquer crítica da nossa representação sindical. Aliás, há resistência zero. Esse conjunto de medidas que retiram nossas atribuições está sendo adotado diariamente e não podemos nos calar sobre isso”, concluiu Lettieri.

Presenças importantes

O seminário da DS/Rio teve a presença da Auditora Eliana Pólo Pereira, Superintendente da 7ª Região Fiscal, que se reuniu aos demais filiados, na parte da manhã, e parabenizou a representação sindical pela iniciativa do promover o debate.

À tarde, o Auditor Luiz Abranches esclareceu os colegas sobre o funcionamento da licença-capacitação e como pode ser solicitada.

Na esfera da atuação sindical e em prol da coletividade, o Auditor Sergio Wehbe (à dir.), presidente da Afiperj, ressaltou o trabalho parlamentar realizado em parceria com a DS/Rio, junto à bancada fluminense, buscando agilizar a votação de projetos relevantes no Congresso Nacional.

O Auditor Ney Coelho relatou aos colegas os objetivos da Casa Estrelas do Amanhã (CEAM), criada e mantida desde 1992 por Auditores-Fiscais do Rio de Janeiro (www.estrelasdoamanha.org.br). A Auditora Sonia Cunha falou sobre a cooperativa de crédito dos Auditores do Rio (Coafbras) e sua importância como alternativa acessível para empréstimos à categoria.