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Ainda o Projeto Midas: Qual é a motivação da Administração da Receita Federal?

28, maio, 2014

Ainda sobre o Projeto Midas (Módulo Interativo de Desenvolvimento de Atitudes e Sinergia), a DS/Campinas-Jundiaí voltou a publicar um texto em que fala sobre o “novo modelo gerencial” adotado na RFB, tendo em vista que, na sexta-feira, dia 23, aconteceu a segunda palestra do projeto.

Os temas e conceitos levantados pelo palestrante provocam uma série de interrogações. Talvez a principal seja o que motiva a Receita Federal a desenvolver um projeto com tal conteúdo? Em que medida os temas abordados podem contribuir para uma suposta “motivação” dos servidores? E, não custa repetir, essas atividades atendem ao interesse público?

Falsas premissas = falsos conceitos

Dentre os temas abordados na palestra, mais uma vez foi dito que o profissional não dispõe mais de sua própria vida. Descobrimos que somos parte de um sistema, de um conjunto de ideias e acontecimentos. “Tua vida é do Estado”, disse e repetiu o palestrante. Nesta ótica, não há mais espaço para a individualidade. Só progrediremos se tivermos uma “visão sistêmica”, se estivermos integrados à cultura e objetivos da organização da qual fazemos parte. Nossos valores devem ser checados e conferidos com aqueles difundidos pelos dirigentes da organização.

Exagero? Nas palavras do palestrante, o Estado dispõe sobre a vida do cidadão. Um exemplo citado por ele, de forma equivocada, diga-se, é o seguinte: caso uma pessoa tente o suicídio e não morra, vai ser presa por atentar contra a própria vida que, afinal, não pertence a ela. Tal afirmação não encontra respaldo no Código Penal Brasileiro. O artigo 112 do C.P prevê pena para induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio. Portanto, neste caso o Estado, quando detém alguém que atentou contra a própria vida está simplesmente protegendo-o de si mesmo e não aplicando uma punição penal. Partindo-se de uma falsa premissa, chega-se a uma falsa ideia.

Qual o objetivo desses conceitos?

Projetos como o MIDAS não aparecem do nada. A implementação de novos modelos de gerenciamento na administração pública, com base em conceitos da administração de empresas privadas vem sendo paulatinamente tentado desde o advento das políticas neoliberais, notadamente a partir da década de 1990. Trata-se da chamada Nova Gestão Pública ou Administração Gerencial.
Uma das diretrizes desta modalidade de gestão é a mensuração das atividades por metas de produtividade, na maioria das vezes sem objetivos claros. Exemplos disto nos rodeiam o tempo todo. Chegou-se ao absurdo de estabelecer como meta uma quantidade de horas e pessoas em treinamentos, o que contribuiu para a banalização e a pouca eficácia de um instrumento que deveria ser ferramenta de capacitação dos servidores.

Peças de um tabuleiro de xadrez

Mas os treinamentos banalizados não servem apenas para bater metas, reproduzem conceitos e valores distorcidos das práticas de gestão pública. A obsessão pelas metas – um fim em si mesmo – nos põe como peças num tabuleiro de xadrez. Neste contexto, surge uma questão cara aos Auditores-Fiscais. Se fôssemos mesmo uma peça sistêmica dentro de um mecanismo maior, como nos foi sugerido, qual a importância de nossa autonomia funcional? Por que então nos cabe, de forma privativa, a atribuição legal do lançamento do crédito tributário?

No Artigo 142 Código Tributário Nacional (CTN) esta previsto: “Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível”.

Não é novidade que esta competência vem sofrendo sucessivas tentativas de modificação, no sentido de esvaziar, compartilhar ou mesmo transferir a responsabilidade de lançamento do crédito para o Órgão, cabendo ao Auditor-Fiscal somente relatar a fiscalização a uma instância “superior”, ou ainda mudando o conceito de autoridade administrativa e, consequentemente, diminuindo a importância do cargo.

Motivem-se!

Ao insinuar uma suposta desmotivação dos servidores, por meio, inclusive, do questionamento da falta de interesse destes em exercer cargos de chefia, cria-se um cenário de legitimação do exercício autoritário da gestão. Por outro lado, o programa de “motivação” não convida o servidor à participação efetiva nas questões centrais e estratégicas da instituição, nem questiona o porquê da ausência de motivação de muitos profissionais em exercer cargos de chefia. Estaria a categoria sintonizada com o projeto de Receita Federal que vêm sendo implementado? Ela se sente parte da instituição, com uma função clara a cumprir enquanto agente do Estado, definida em legislação, ou é apenas uma peça sistêmica, programada para cumprir metas?

Conselho Federal de Psicologia alerta sobre riscos ao indivíduo e à sociedade pela utilização de instrumentos indevidos de avaliação psicológica

Por fim, ao submeter seus servidores a supostos processos de motivação mediante a utilização de técnicas sem base cientifica comprovada, a Administração da Receita Federal pode estar incorrendo em uma ilegalidade. De acordo com Conselho Federal de Psicologia (CFP), a avaliação psicológica é uma atividade restrita aos profissionais da Psicologia e os instrumentos de Avaliação Psicológica utilizados em treinamentos como ao que assistimos no Projeto Midas devem ser previamente encaminhados a uma Comissão Consultiva (CCAP) do órgão para serem avaliados se são testes psicológicos e, portanto, privativos de psicólogos ou não. Cabe questionar se tal providência foi observada pela Administração da Receita Federal.