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BENCHMARKING: Avaliação, arma de destruição em massa

27, maio, 2013

Publicado na edição de número 70 do "Le Monde Diplomatique Brasil", o texto, de autoria de Isabelle Bruno e Emmanuel Didier diz: "Descrita como uma doença da civilização, a síndrome do esgotamento profissional atinge especialmente os trabalhadores mais zelosos. Talvez porque, além de provocarem ansiedade, os métodos de gerenciamento distorçam as atividades e esgotem aqueles que as exercem". Confira abaixo a íntegra.

BENCHMARKING: Avaliação, arma de destruição em massa

"Fazer benchmarking é saúde!”, alardeava em 2008 a chefe dos patrões franceses, Laurence Parisot, retomando o slogan da convenção do Movimento das Empresas da França (Medef), reunida naquele ano no semicírculo do Parlamento Europeu. Para quem ignora tudo a respeito do benchmarking, seu discurso – que pregava sua aplicação aos produtos, aos serviços, às ideias, aos assalariados, aos países etc. – pode ser desconcertante.

Do que se tratava? De exaltar os méritos de uma técnica de gestão que consiste em “avaliar dentro de uma ótica concorrencial para melhorar”. Para Laurence, “benchmarkar”um país, seria “compará-lo com outros” com o objetivo de perceber as “melhores políticas” – a saber: “a política fiscal mais vantajosa”, “a administração menos obsoleta”, “a universidade mais admirável”1 etc. – e se inspirar nelas com uma preocupação com a competitividade.2 Uma receita simples que os capitães da indústria se esforçam desde os anos 1990 para transmitir aos dirigentes do mundo inteiro. Assim, em 1996, a Mesa Redonda dos Industriais Europeus (ERT, na sigla em inglês) co-organizava com a Comissão Europeia um seminário para promover junto aos dirigentes políticos um exercício passível de “ajudar os governos a justificar inevitáveis escolhas difíceis”.3 Difíceis para quem? Esse ponto não foi especificado.

O benchmarking produz benchmarks (parâmetros de referência), quer dizer, objetivos a serem atingidos que não são fixados de maneira genérica, em função dos critérios de um patrão exigente, mas de forma relativa, relacionada ao que se deve fazer de melhor no mundo. A força do benchmark, então, não se deve tanto ao braço forte de um chefe ou à matemática de uma porcentagem, mas à objetivação de uma performance. Para os céticos, ele opõe a prova de um melhor resultado já registrado em outro lugar. Assim, em nome do ato concorrencial, seria mais fácil aceitar as reestruturações, as demissões, o “racionamento” orçamentário, e fazer calar as contestações “irrealistas”.

Nos Estados Unidos, o benchmarking, desenvolvido no meio privado por firmas como Xerox, ganhou notoriedade pública em meados dos anos 1980. Apresentado como a arma de reconquista das fatias de mercado perdidas durante a “onda nipônica”, ele foi preconizado pelos economistas do prestigioso Massachusetts Institute of Technology (MIT) para conter o declínio das performances industriais do país.4 E se tornou também um dos critérios para a atribuição do prêmio Baldrige, criado pela administração Reagan para recompensar as organizações que buscavam com maior zelo a “qualidade total”, seja no setor de bens e serviços, na saúde, no ensino ou nas atividades não lucrativas.

O benchmarking conduziu os agentes a desejar melhorar sem cessar seus resultados, a estar sempre em busca das “melhores práticas”, a procurar sempre novos alvos, a se comprometer tanto quanto possível a serviço de um ideal relativo: a “qualidade”. O envolvimento de todos num esforço coordenado de competitividade não vem idealmente de nenhuma regra, nem física nem legal. Ele se alimenta da boa vontade dos participantes. Ser voluntário, “proativo”, trazer a prova de sua “performance total”,5 ou então sair do jogo: tal seria a “alternativa infernal”.6 Há nisso uma maneira muito intrigante de governar os membros de um coletivo.

Na ausência de meios coercitivos, o que os faz correr atrás de resultados? Há, com certeza, os prêmios e as recompensas, mas eles não esgotam os recursos desse modo de governo que funciona pela iniciativa, pela autoavaliação, pelo comprometimento pessoal, pela responsabilização, pelo voluntarismo. Alguns falam de “controle de comprometimento subjetivo”7 ou “envolvimento das potências salariais”.8 Essas formas salientam a ambivalência de uma dominação que consome a liberdade, a criatividade, a subjetividade dos dominados.

Melhor Estado

Mesmo que esses conceitos tenham sido forjados para descrever as mutações das relações de trabalho na empresa, eles também valem para a administração pública contemporânea. Em época de vacas magras orçamentárias e de condenação generalizada dos excessos burocráticos, está fora de questão intervir mais (ou com mais meios): é preciso organizar melhor, a fim de dispensar os melhores serviços pelos menores custos. O slogan liberal clássico do “menos Estado” foi substituído pela palavra de ordem neoliberal do “melhor Estado”. Mas a definição do que é “melhor” para diferentes instituições não é evidente. Se as empresas visam ao lucro, qual é a finalidade do Estado e de suas administrações? No regime democrático, cabe – em princípio – ao povo determinar isso. De fato, essa questão suscita um dissenso político fundamental. Então, a prática do benchmarking não possui nada de evidente nem de natural.

Que o Estado utilize números não é algo novo: desde seu nascimento, no século XVIII, a estatística se apresenta como “a ciência do Estado”. Ironia da história: o que o poder público tinha concebido como seu instrumento privilegiado serve hoje para despedaçá-lo sob o disfarce de “nova gestão”. Ao mobilizar as estatísticas, o benchmarking busca captar seu poder de descrição transformadora. A fim de distinguir o aparelho estatístico, cuja formação é coextensiva à do Estado, da rede de dados tecida pelo benchmarking, poderíamos falar de uma “nova quantificação pública” (NQP), como outros falam de uma “nova gestão pública”. Nos dois casos, essas expressões têm a vantagem de apontar uma constelação de elementos de geometria variável de onde se pode fazer surgir as regularidades e a coerência do conjunto.

Essa NQP reagrupa elementos dos quais ouvimos falar há uns dez anos. Trata-se de indicadores de performance, variáveis quantitativas que os agentes devem preencher eles mesmos para demonstrar a eficácia de sua atividade; objetivos quantitativos, que as instâncias dirigentes lhes atribuem ao mesmo tempo que procuram preenchê-los com a “cultura do resultado”; painéis de gestão, que permitem apreender numa só olhada uma grande quantidade de dados numéricos; classificações identificando os “bons alunos” e os piores com o objetivo de distribuir prêmios e sanções etc. Essas técnicas foram sistematizadas na administração pública francesa pela lei orgânica relativa às leis de finança (Lolf) e pela revisão geral das políticas públicas (RGPP), rebatizada pelo novo governo de modernização da ação pública (MAP).

Se eles se apoiam na “boa vontade” de cada um, tais dispositivos não funcionam de modo livre ou no piloto automático. A dominação gerencial é exercida por uma elite cujo círculo está diminuindo. Em outras palavras, se os dirigentes políticos e econômicos conseguem impor o benchmarking argumentando a universalidade desse método gerencial, supostamente adaptável a diversos meios, eles o aplicam raramente a si mesmos. O melhor exemplo é sem dúvida a experiência de notas e classificações dos ministros em relação aos objetivos fixados pelo presidente Sarkozy. Mesmo com o barulho provocado pela publicação dos “campeões” na revista semanal Le Pointem janeiro de 2008, a ideia foi rapidamente abandonada.

O desenvolvimento do benchmarking encontrou, além disso, a oposição de uma categoria particular de agentes: médicos, magistrados, delegados de polícia e professores universitários. Todos viram sua autoridade tradicional radicalmente questionada pela introdução desse tipo de avaliação comparativa e administrativa, que tende a substituir o julgamento por parte dos pares. Habitualmente pouco inclinados à ação coletiva, esses “patrões” se uniram, então, à causa de agentes subalternos mobilizados contra os dispositivos dos quais eles eram os primeiros alvos. Por outro lado, outros agentes, que não se beneficiavam do mesmo capital social, esperavam que esses novos sistemas de avaliação permitissem que eles tivessem mais reconhecimento por suas qualidades e valorizassem suas posições. Foi, então, graças a uma aliança entre os altos responsáveis e alguns agentes intermediários relegados à posição de outsiders9que o benchmarking conseguiu superar as resistências e se impor no setor público.

As promessas de objetividade e imparcialidade formuladas por seus promotores não foram mantidas, e muitos efeitos perversos apareceram de maneira flagrante. Os agentes de todos os níveis sentiram abater sobre eles uma pressão psicológica enorme, que, em particular na polícia, local principal da “política dos números”, levou alguns entre eles ao suicídio. O número de chamadas telefônicas recebidas pelo serviço de apoio psicológico operacional da polícia quase quadruplicou em dez anos.

Obrigados a perseguir objetivos pouco consistentes, sempre em mutação, os agentes sofrem de uma falta de clareza e de estabilidade em sua atividade. Eles falam frequentemente em “perda de sentido”. Quanto aos usuários dos serviços públicos, eles puderam constatar que o pretendido “melhor do Estado” significava na realidade uma queda na qualidade dos serviços públicos. Assistimos, por exemplo, a uma explosão do número de custódias de pessoas que, antes, não teriam sido incomodadas. E a triagem na entrada das urgências hospitalares, apresentada como um tipo de tratamento mais rápido aos doentes, provocou um aumento nas taxas de retorno, sinal de insuficiência no cuidado com os pacientes.

Primeira vitória na justiça

Os agentes avaliados por variáveis quantitativas tiveram de aprender a “fazer números” ou a apresentar seus resultados da maneira mais vantajosa para si. Policiais realizaram prisões fáceis, mas sem efeitos reais sobre a delinquência; médicos deixaram de lado as patologias mais complexas para tratar mais casos simples; pesquisadores dividiram seus artigos para publicar três em vez de um único e consistente. Como culpá-los por se proteger, defender seus interesses? Mas, no fim, a realidade mostrada pelos dados que devem avaliar sua reatividade, suas iniciativas, também é construída pela técnica do gerenciamento. Ela não é mais o juiz de paz que pesa a ação do Estado: é passível de ser, também ela, construída.

A oposição ao benchmarking enquanto tal começa a se organizar, principalmente na França. No dia 4 de setembro de 2012, o tribunal de grande instância de Lyon estimou que o ato de colocar trabalhadores em concorrência suscitava um estresse permanente que prejudicava gravemente sua saúde. Ele também proibiu que o banco Caisse d’Épargne Rhône-Alpes Sud fundasse seu modo de organização no benchmarking. Desde 2007, esse banco tinha instaurado um sistema de gestão de pessoal que consistia em comparar todos os dias os resultados de cada um e exibir uma classificação. Iniciada pelo sindicato Solidaires, Unitaires, Démocratiques (SUD), que denunciava o terror semeado por esse método gerencial, essa ação na justiça marca uma mudança na resistência a esse tipo de dispositivo. Esse julgamento sem precedentes abre a via para numerosos recursos em todos os lugares onde o benchmarking estiver em ação.