Um alerta para o Brasil: Privatizada na ditadura, previdência chilena paga aposentadoria menor que salário mínimo
4, março, 2015“Este é o capitalismo popular, senhores! De agora em diante, todo chileno será um acionista”. Frases entusiasmadas, de um passado não muito distante, repetidas quase diariamente, em anúncios televisivos e entrevistas para a imprensa chilena, pelo economista neoliberal José Piñera. Em 1982, o então ministro do Trabalho da ditadura de Augusto Pinochet explicava seu mais recente feito: o novo sistema previdenciário chileno, agora privatizado, que substituiria o antigo sistema estatal solidário por um modelo em que empresas privadas administrariam contas individuais de previsão.
Assim surgiram as AFPs (administradoras de fundos de pensão), empresas dedicadas a gerir o dinheiro dos contribuintes reservados à aposentadoria futura, injetando-o no mercado de capitais. Em poucos meses, surgiram no país 14 novas companhias dedicadas a este mercado, que competiam de forma selvagem pelos primeiros clientes e prometiam uma aposentadoria de luxos e extravagâncias.
Ainda assim, a evolução do negócio das AFPs no Chile não tem demonstrado grandes números nos últimos anos. Desde o ano 2000, houve uma diminuição significativa no número de empresas do ramo, duas delas chegaram a falir, outras foram compradas pelas que se consolidaram como as maiores do mercado, e hoje restam apenas seis — sendo que, em dois casos, mais de uma fazem parte da mesma holding.
AFP estatal ou sistema antigo
Está agendada para agosto deste ano a entrega do relatório da Comissão Bravo, uma equipe de trabalho liderada pelo economista David Bravo, com a missão de estudar o sistema previdenciário chileno, suas falências e possíveis soluções.
As organizações que lutam contra o sistema de AFP esperam que seja o começo de mais uma das reformas levadas a cabo pelo atual governo, que já mexeu nos setores tributário, educacional e eleitoral. Já o economista Hugo Fazio acha pouco provável que o relatório da comissão sugira grandes mudanças — nenhum membro do Cenda participa da Comissão Bravo, cuja composição inclui três ex-executivos de empresas AFP.
As AFPs fazem lobby para que a Comissão Bravo sugira aumentar a idade de aposentadoria — de 65 para 70 anos entre os homens, e de 60 para 65 anos entre as mulheres —, uma ideia que conta com o aval de parlamentares governistas e opositores. Enquanto isso, uma das propostas com mais apoio dentro do governo, e que constava no programa da candidatura de Michelle Bachelet, é a criação de uma AFP estatal. A ideia, porém, é rejeitada tanto pela Associação de AFPs, que alega que uma administradora estatal terá vantagens sobre a concorrência e acabará com o mercado, quanto pelos movimentos sociais, que pedem o retorno do antigo sistema solidário estatal.
O principal argumento a favor de restabelecimento do sistema solidário é que os militares ainda o utilizam. Apesar da ditadura ter difundido o sistema privado como um de seus grandes legados positivos, os militares nunca aderiram, já que todas as instituições militares do país, incluindo as polícias, contribuem com um fundo exclusivo chamado Capredena, que funciona tal qual o sistema previdenciário antigo, por meio do qual recebem aposentadorias com salário integral.