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Aduana para quem?

13, junho, 2012

Por Dão Real

Setores do governo cogitam em retirar a Aduana da Receita Federal. Ou a proposta seria de retirar a Receita Federal da Aduana? Falar de projetos ou de propostas que são encaminhados e negociados de forma sigilosa é sempre uma dificuldade. Sabe-se que o assunto existe, mas seu conteúdo é uma incógnita. De outro lado, esta falta de transparência abre um espaço enorme para todo o tipo de projeção e especulação.

A notícia, veiculada em vários jornais, de que o Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, estaria articulando com a Presidenta da República uma modificação do Sistema Aduaneiro brasileiro, propondo a transferência das suas atribuições para o seu Ministério, é muito preocupante.

A alegação, segundo o que foi publicado, de que o Brasil, apesar do grande salto no volume de comércio exterior, continua com a mesma “aduanazinha” de 40 anos atrás, beira o deboche e demonstra, em primeiro lugar, que o ministro desconhece a visível e evidente evolução da Aduana brasileira nos últimos anos. Apesar de todas as restrições orçamentárias, carência de pessoal e de estrutura, a Aduana brasileira é reconhecida como uma das instituições de Estado mais eficientes e apresenta, especialmente nos últimos anos, um enorme crescimento em suas autuações de combate ao contrabando e descaminho e às grandes fraudes do comércio exterior. Isso é fruto de um trabalho sério, que é desempenhado por um conjunto de servidores comprometidos com o interesse público.

Por outro lado, chama a atenção o fato de que a proposta do ministro, aparentemente bem justificada, embora pouco fundamentada, esteja sendo conduzida de forma não transparente, o que, aliás, nos remete à seguinte indagação: que tipo de Aduana poderia ser pensada e discutida se a própria Aduana não pode participar nem é chamada a colaborar? Como revela a declaração do Secretário da Receita Federal do Brasil, a quem cabe administrar a Aduana brasileira, esta discussão, se é que existe, não foi submetida à instituição. E será que os demais órgãos públicos que atuam direta ou indiretamente no controle administrativo do comércio exterior, foram ouvidos?

A imensa maioria das aduanas é vinculada aos Ministérios de Fazenda ou de Finanças. No Brasil, esta previsão é, inclusive, constitucional. O Artigo 237 da CF estabelece que a fiscalização e o controle do comércio exterior, essenciais aos interesses fazendários nacionais, serão exercidos pelo Ministério da Fazenda. Mais de 50 aduanas no mundo encontram-se fusionadas com as administrações tributárias, assim como é no Brasil, desde 1968.

Esta tendência de integrar as aduanas às administrações tributárias é crescente, plenamente justificada e de fácil compreensão. Na medida em que o comércio internacional se intensificou e passou a constituir atividade complementar das grandes corporações empresariais (mais de 60% das operações de comércio internacional ocorrem entre empresas vinculadas), normalmente associado a um intenso fluxo financeiro internacional, que foi facilitado sobremaneira pela sua desregulamentação e pela proliferação dos paraísos fiscais, a preocupação das Aduanas deslocou-se naturalmente mais para as operações comerciais e para os seus operadores, do que para as mercadorias propriamente, o que exigiu uma integração cada vez maior com os sistemas tributários nacionais.

A utilização do comércio exterior como meio para a promoção de evasão de tributos se intensificou com a globalização. Também, por conta da natural evolução da sociedade, novas responsabilidades são impostas à Aduana, decorrentes da ampliação do seu campo de atuação para garantir a tutela, além da proteção econômica, também de outros valores sociais, como a segurança, a saúde, o meio ambiente, etc. – exigências de interesse público que a Aduana brasileira gradativamente começa a atender, haja vista as inúmeras apreensões de drogas, de lixo hospitalar e doméstico, de agrotóxicos proibidos, entre outras.

A segregação da Aduana do sistema tributário (RFB), como propõe o Ministro Pimentel, além de ir contra a tendência mundial, produzirá automaticamente o efeito de impedir à aduana o acesso a informações de natureza fiscal dos operadores do comércio internacional, imprescindíveis ao combate aos crimes praticados no comércio exterior. Inúmeras operações especiais de combate ao crime organizado que ganharam destaque na mídia, como a Operação Dilúvio, Operação Narciso, Operação Persona, e outras, surgiram justamente da atuação integrada da Aduana/RFB com a Polícia Federal e o Ministério Público. Surge aqui uma nova indagação: A quem poderia interessar uma aduana sem acesso às informações fiscais dos importadores e dos exportadores?

O Ministro não esconde sua pretensão de separar a verificação das mercadorias das questões de arrecadação, como se à aduana só interessasse o monitoramento das cargas, ou como se a Aduana fosse tão somente um cartório de registro de operações, a serviço dos operadores. Justifica, também, a sua proposta, na necessidade de responder à demanda do setor produtivo por uma maior agilidade no fluxo do comércio internacional, com vistas à redução de seus custos.

Retomar o modelo de uma aduana focada exclusivamente em mercadorias, como parece ser a proposta do ministro do MDIC, seria, sem dúvida, um retrocesso em termos de proteção social e econômica.

Estas contradições, somadas à total falta de transparência em relação ao que está sendo proposto, nos permitem duvidar dos reais objetivos da proposta ministerial.

Não há dúvidas de que o comércio internacional no Brasil enfrenta muitos gargalos e dificuldades de diversas naturezas, cujo maior peso talvez esteja na falta de infraestrutura ou numa infraestrutura inadequada. Também é verdade que a atividade de controle aduaneiro precisa ser aperfeiçoada, melhorando suas condições de percepção de risco, antecipando e integrando seus controles com os demais órgãos, ampliando sua rede presencial no território nacional, etc., e vários projetos neste sentido já estão em andamento. Mas, é evidente também que a atividade aduaneira que submete a despacho menos de 12 % das cargas não é a responsável pela parte mais relevante dos custos operacionais dos comerciantes internacionais. Então, que outras razões se escondem por trás desta proposta de segregação da Aduana?

Convém lembrar que a forma como está estruturado o governo brasileiro contempla dois grandes grupos de instituições públicas: as instituições típicas de Estado e que atuam sobre toda a organização social, que são representadas, dentre outros, pelos Ministérios da Justiça, da Defesa, da Fazenda, da Saúde; e as instituições setoriais, que existem para atender e implementar políticas voltadas aos interesses de determinados segmentos da organização social. Este é o caso dos Ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, da Agricultura, da Reforma Agrária, da Pesca, entre outros.

A prevalência do interesse público está justamente no equilíbrio na atuação destes dois grupos de instituições. Não se pode, portanto, transferir e submeter, sem danos ao interesse público, uma atividade considerada como típica de Estado, como é a atividade Aduaneira, para um ministério tipicamente setorial.

Então, fica a pergunta: se é evidente que a Aduana brasileira está evoluindo e melhorando sua capacidade de ação, apesar das dificuldades, e tem se preocupado, inclusive, em não interferir desnecessariamente nos fluxos do comércio internacional, então por que retirá-la da Receita Federal? Ou, por que retirar a Receita Federal da Aduana?


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