Impunidade: acusado de mandar matar 4 na chacina de Unaí ainda não foi julgado e se diz vítima
2, maio, 2013A Chacina de Unaí vai completar quase uma década sem julgamento. No dia 28 de janeiro de 2004, uma denúncia anônima de trabalho degradante no campo (forjada) levou três auditores fiscais do Ministério do Traballho e o motorista deles para uma emboscada. Todos foram executados com tiros na cabeça, a menos de 160 quiilômetros de Brasília. Os assassinatos repercutiram dentro e fora do país. Por pressão direta da Presidência da República, uma investigação relâmpago descobriu os envolvidos nas execuções. Uma trama que envolve hierarquia e poder.
Segundo o Ministério Público Federal, os irmãos Antério e Norberto Mânica, os maiores produtores de feijão do país, seriam os mandantes. Hugo Pimenta e José Aberto de Castro, o Zezinho, empresários de sucesso na produção de grãos, os intermediários. Francisco Helder Pinheiro, conhecido como Chico Pinheiro, o homem que contratou os pistoleiros. Erinaldo Silva e Rogério Alan Rocha, os matadores. Willian de Miranda, motorista dos bandidos. E Humberto dos Santos, o responsável por tentar apagar os rastros da quadrilha.
Antério Mânica, segundo o Ministério Público Federal um dos mandantes da chacina, se elegeu duas vezes prefeito de Unaí concorrendo pelo PSDB. Sua declaração de bens na Justiça Eleitoral, em 2008, chegou perto dos 19 milhões de reais. A primeira eleição aconteceu no ano do crime, mesmo sendo ele um dos suspeitos de mandar matar os servidores públicos. Antério passou dois curtos períodos na cadeia. As propriedades dele, com cerca de cinco mil hectares, produzem mais de 200 mil sacas de 60 quilos de feijão por safra.
Os Mânicas são descendentes de italianos. Chegaram ao Brasil no final de década de 40.
Hoje, Antério diz que praticamente não conversa com o irmão, Norberto, que mudou-se para o interior de Mato Grosso.
Neste domingo você pode ver no Domingo Espetacular, da TV Record, às 20h30, uma reportagem especial com detalhes inéditos de um atentado contra o estado brasileiro: Chacina de Unaí, o Dossiê.
A seguir, uma entrevista exclusiva com Antério Mânica, feita em Unaí:
Quando aconteceu a Chacina de Unaí, o senhor ficou preso quanto tempo?
Antério: Fui preso faltando 18 dias, aliás, às 18 horas, fui preso porque depois da meia noite não poderia mais ser preso porque faltavam 15 dias [para a eleição], e eu era candidato. E a Polícia Federal e a Civil, que investigou, até hoje não encontrou sequer indícios de minha participação no crime. Um juiz, que está afastado e sendo investigado neste momento, por ofício me mandou prender. E cinco dias após a minha prisão, o Ministério Público Federal ofereceu uma denúncia. Então, fui preso seis horas antes do limite que não poderia ser preso por ser candidato. E faltando três dias para a minha diplomação, sem fato novo, este mesmo juiz me mandou prender. E as duas vezes eu fui solto por unanimidade, por habeas corpus no tribunal federal, em Brasília, por unanimidade dos desembargadores. Eu fiquei preso 17,18 dias na primeira prisão e dois dias na segunda prisão.
Segundo a investigação, o senhor e o seu irmão são os mandantes do crime. O senhor mandou matar os auditores fiscais do Ministério do Trabalho e o motorista?
Antério: Absolutamente. Eu falo por mim, não tenho nada a ver com este crime. Tanto é que a Policia Federal e Civil, com delegado escolhido a dedo, não encontraram até hoje sequer indícios de participação minha.
Qual a relação do senhor com o empresário Hugo Pimenta, acusado de ser um dos intermediários da chacina?
Antério: Praticamente nenhuma. Ele era comprador de feijão, mas eu praticamente não comercializava com ele. Não era meu inimigo, mas não tinha relação próxima com ele.
O senhor conhecia o Nelson [José da Silva], um dos fiscais assassinados?
Antério: Conhecia, praticamente nunca conversamos. A imprensa divulgou que tem ameaças minhas pra ele. Na verdade, o que tem no processo é uma ameaça, segundo o processo, que um irmão meu, Norberto Mânica, teria feito, num escritório, com um perfurador de saco de feijão para amostragem de feijão. Comigo mesmo, nunca tivemos uma troca de palavra sequer. Essa é a verdade. Não foi o que a imprensa divulgou. E muitas vezes o próprio Ministério Público tem divulgado inverdades, como por exemplo, o último relato no site a respeito desta decisão do STJ.
No site do Ministério Público de Minas Gerais diz que fui preso em 2007. É mentira. No site, nesta mesma reportagem, fala que eu entrei com recurso para procrastinar o julgamento. Faltaram com a verdade, literalmente. Eu não sei porque eles fazem isso. Desde o início do processo eu entrei com três recursos no Tribunal — a não ser os habeas corpus — os três pedindo julgamento imediato, e por três vezes o Ministéro Publico Federal entrou com recurso e conseguiu adiar meu julgamento e o meu será depois que os de todos os outros acusados. Então, o Ministério Público falta literalmente com a verdade, mente, para ser mais enfático. Só nesta última matéria, duas mentiras: que eu entrei com um recurso para procrastinar meu julgamento, quando foram eles. Eles falam ao contrário. E contaram lá que fui preso em 2007. Outra inverdade, fui preso antes de assumir, em 2005. E depois disso nunca mais fui preso, fui chamado, intimado, nunca mais.
O auditor fiscal Nelson fiscalizou sua propriedade?
Antério: A minha ele fiscalizou, fiscalizou a fazenda de todos os produtores aqui de Unaí, produtores de médio porte pra cima, ele fiscalizou a região.
O senhor foi autuado por trabalho degradante?
Antério: Não, jamais fui autuado por trabalho degradante ou por trabalho escravo.
Até digo mais: aqui em Unaí tem dois ou três casos de pequenos produtores e carvoeiros que foram autuados por trabalho degradante. Nós temos o ex-prefeito, que me antecedeu, que foi autuado numa fazenda dele, no Pará. Então, Unaí não tem disso. E digo mais, não só a minha fazenda, o padrão dos produtores rurais e empresariais de Unaí é um dos melhores do país. E as autuações são das mais normais possíveis. As multas milionárias divulgadas por todos os meios de comunicação, eu não sei onde acharam isso. Mentira em cima de mentira, multas milionárias que nunca existiram.
Se o senhor foi autuado, lembra do valor que pagou?
Antério: 5 mil, 20 mil, 3 mil. É assim: a autuação, se você pagar na hora, paga com 50% do valor, se entrar na Justiça, tem que depositar 100% do valor e passar 20 anos brigando. Então, o pessoal que nos assessora diz que é interessante pagar o valorzinho em vez de brigar anos e anos na Justiça.
O senhor teve contato com o Chico Pinheiro ou com o Zezinho? [Chico, agenciador dos matadores; José Alberto de Castro, o Zezinho, intermediário]
Antério: Esse Zezinho eu devia conhecer porque a mãe dele chegou a morar do lado da minha mãe aqui na cidade, mas não tinha relacionamento nenhum. E os outros conheci na penitenciária Nelson Hungria, quando fui preso eles estavam lá. Nunca tinha visto essas pessoas e nunca tive contato com eles.
Antes do crime, o senhor ligou para a Delegacia do Ministério do Trabalho, em Paracatu, para oferecer uma coroa de flores ao fiscal Nelson?
Antério: Isso é piada, para não dizer mais. Na verdade, no dia que aconteceu a tragédia eu dei depoimento para Polícia Federal, fui intimado e eles confirmaram isso tudo. O gerente [Juca] da cooperativa — que eu fui fundador, presidente por dois mandatos, associado número 001 — me ligou [dizendo] que um outro produtor passou no local [do crime] e viu e ligou pra ele. E ele me ligou da cooperativa. Tá tudo no processo, as ligações. Me ligou perguntando, e eu disse “não sei”.
Aí, eu liguei depois do crime, meia hora, uma, duas, sei lá, eu liguei [para o Ministério do Trabalho] porque a delegada, dr. Dália, a gente criou um condomínio rural, a gente tinha e criou uma proximidade, liguei que a conversa era que teve um problema com fiscais. Liguei do meu telefone, da minha casa, não era ainda este apartamento, liguei, é o Antério Mânica, houve o acidente, confirma? A Dália não estava, aí a moça disse não estou sabendo de nada. Liguei pro Juca na cooperativa dizendo “o pessoal não sabe de nada”.
Ele [Juca] me ligou depois de uns 15,20 minutos, olha, confirmou [a morte dos fiscais], ligaram de lá. Aí voltei a ligar, olha, confirmou. Na maior boa fé do mundo, da minha casa, do meu telefone. Aí começa a história que eu queria confirmar se tinha morrido todo mundo? Ora, se o pessoal [os assassinos] tava aí, tinha que ter ido atrás deles e não ligar lá.
Antes, o sr. ligou?
Antério: Não, nem… Fazia seis meses ou um ano que eu não ligava para o Ministério do Trabalho, não existe ligação. Não sei quem criou esta fantasia.
E um pouco depois?
Antério: Isso. Está esclarecido tudo. Me ligaram da cooperativa. Fazia muito tempo que eu não falava com Hugo, Zezinho, com Ministério do Trabalho. Ouvi falar da historia da coroa, isso é fantasia, é loucura.
Como o senhor ficou sabendo das mortes?
Antério: O gerente da Coagril [Cooperativa Agrícola de Unaí], Juca, me ligou. Liguei lá [no Ministério do Trabalho] para saber se era verdade.
O que o senhor tem a dizer sobre a demora para o julgamento?
Antério: Tá aí gravando, não sei qual a intenção do Ministério Público em faltar com a verdade. Eu assino embaixo de tudo o que estou dizendo. Eu quero ser julgado. Entrei com três pedidos de julgamento imediato na Justiça. Quero que isso acabe. Porque o que está no processo, não é o que o Ministério Público divulga, e muito menos o que a grande imprensa tem feito a respeito do meu nome.
E a luta do Ministério Público pra me levar a Belo Horizonte é porque não querem que eu seja julgado pelos meus pares, por pessoas que me conhecem há 35 anos, eles querem criar um monstro lá em BH do Antério Mânica, com mentiras em cima de mentiras. Não existem multas milionárias, não existe recurso para procrastinar, não existe coroa de flores, isso é fantasia, alucinação. Eles criaram do Antério Mânica um monstro. Fui eleito e reeleito, e tenho respeito, a não ser meia dúzia de adversários por problemas de política, assim mesmo não tenho inimigo, posso ter adversário.
O senhor tem preferência do local do julgamente, Belo Horizonte ou Unaí?
Antério: É lógico que eu tenho, as pessoas aqui sabem quem é Antério Mânica de verdade. Lá eles não tem nada do Antério, só poucas pessoas me conhecem. Mas eu quero ser julgado, mesmo que seja em BH, não tenho nada a ver com essa história.
O Ministério Público mente deliberadamente sobre a minha pessoa e acredito que é influência do sindicato dos auditores fiscais. Eles contam a versão deles, que é mentirosa, falo do meu, nesta questão. A verdade é que não fui indiciado pela Polícia Civil e Federal até hoje.
O senhor foi condecorado pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais?
Antério: Fui condecorado. Eu não tenho nada a ver com crime, sou inocente, uma pessoa trabalhadora, tive 8 anos de prefeito. E recebi a homenagem por coisas que você mesmo pode conferir na cidade, tenho a aprovação de muita gente.
Ele [deputado estadual Durval Ângelo, do PT, que convocou Antério para depor], como um presidente da Comissão de Direitos Humanos, vem me condenar sem me julgar. Olha, sou ser humano também. Ele, desinformado, com informações nada a ver, mentirosas, chegou a ser duro demais, grotesco comigo. Eu sou um ser humano. Ele tinha que me respeitar mais, mas pelo menos foi o único que me deu a oportunidade de falar ao vivo. A imprensa edita, corta, fala do jeito que quer, não passa. Eu não tenho pago imprensa pra falar a verdade. Mas não sei se o sindicato dos auditores fiscais não paga, não sei o seu interesse de vir aqui, se tem alguém bancando, não sei.
Essa é a grande verdade: sou inocente, não tenho nada a ver com este crime. Não fui indiciado e olha, não encontraram sequer indícios, que dirá culpa.
O senhor será candidato a deputado?
Antério: Olha, como eu te disse. Fui candidato a deputado federal em 98, candidato a prefeito em 2000, 2004, 2008. Será que eu tenho que abrir mão de uma coisa que faço desde jovem? Isso me satisfaz, eu gosto disso.
Os acusados de intermediários ou de execução em algum momento mencionaram o seu nome ou do seu irmão?
Antério: Não sei. Não tenho conhecimento, mas se alguém usou, usou faltando com a verdade.
Qual a sua opinião sobre o crime?
Antério: Um crime bruto. A versão que eu ouvi na Justiça Federal, quando estava preso, estavam todos juntos na sala, alegaram que [os assassinos] estavam numa fazenda para ver e roubar de noite. Na volta viram uma caminhonete e resolveram roubar. Na hora alguém se assustou e deram um tiro e mataram todos. Pra falar a verdade, não procurei me aprofundar. Não tenho nada a ver com isso.
O senhor acredita em crime de mando?
Antério: Não foi o que eles contaram lá, mas pode ser também. A Polícia Federal, que não me indiciou, indiciou o resto. Eu sei que comigo a policia foi justa, não tem indícios.
E o Marea? [Segundo a polícia, o Marea é um dos carros apreendidos com os envolvidos na chacina. O veículo seria da mulher dele, Bernadete Mânica]
Antério: Tinha um Marea, ficou de 5 a 6 anos. Agora de ser meu ou da minha esposa, é o argumento que eles usaram. Que alguém teria visto um Marea na noite anterior ao crime, é o que está no processo, e que eu liguei na Delegacia do Trabalho para saber se tinham morrido. Se tinha Marea ou não tinha, eu não sei. Mas não era o da minha esposa e não era eu. A gente se incomoda com o fato do Ministério Público fazer este tipo de coisa.
Se eu tivesse 1% de tudo o que a gente fala que tem, era muito mais rico. Não dá pra se dizer pobre, não, temos capital razoável, muita luta, muito trabalho, sem dar prejuízo pra ninguém. Tem um irmão meu aí, o Norberto [o outro acusado de ser mandante] que está sendo acusado, deu problema na cidade, vendeu a fazenda agora, separou da família, entortou a vida.
Está em Mato Grosso agora?
Antério: É [em Paranatinga].
Como ficou a relação do senhor com o seu irmão Norberto depois dos assassinatos?
Antério: Praticamente a gente não conversa. Eu não briguei com ele, ele se distanciou da família. Ficou dois anos sem visitar a minha mãe. Faz cinco que a minha mãe morreu. Ele veio no enterro. Mas não temos relacionamento.
O Hugo [acusado de ser intermediário no crime] diz que o seu irmão deve pra ele quase um milhão de reais. O senhor também acredita na inocência do seu irmão?
Antério: Não sei. Na verdade, ele, o Hugo e o Zezinho, pelo que tá no processo, eles se falavam de minuto em minuto, tinham proximidade. Eu não acredito que tenha um envolvido sem os outros estarem. Porque eu vi no dia do depoimento, lá em BH, tava meu irmão, o Hugo, o Zezinho e todos aqueles que estavam presos. Inclusive o que faleceu, o Chico.
O Hugo enriqueceu?
Antério: Dizem que enriqueceu. Eu vi o Hugo quando veio aqui. Nunca tinha nem visto na rua. O Hugo saiu do hangar e mostrou dois aviões. Mas eu não sei qual é o patrimônio.
O que mudou na sua vida depois do episódio da chacina?
Antério: Vocês não sabem, dei hoje um depoimento. Isso é um inferno na vida da gente. Se vê todo dia uma bobagem na imprensa, uma mentira. E fala na imprensa… E eu provo. Eu quero ser julgado pra acabar com esse inferno. Sabe o que é colocar a cabeça no travesseiro e pensar: se for condenado é morrer na cadeia, quatro crimes bárbaros como estes.
O senhor nunca ameaçou o Nelson, fiscal do Ministério do Trabalho?
Antério: Não ameacei o Nelson. Norberto e Antério, vão misturando…
Gente, a nossa familia é humildade total. Pelo patrimônio que nós temos, olha como vivemos, a casa. Saímos do nada. Não foram nossos pais que fizeram patrimônio, fomos nós.
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No domingo, as provas que o MPF tem sobre o envolvimento de Antério Mânica na chacina.