Por um imposto sobre as exportações de "commodities"
7, dezembro, 2012O tempo vai passando e os governantes do Brasil parecem que não mudam de postura. É impressionante a capacidade de acomodação frente ao modelo de política econômica e a passividade em aceitar as coisas como elas aparentam ser, apesar de seus aspectos negativos evidentes. Tudo acontece como se houvesse uma ordem natural da dinâmica da economia a ser venerada, que não pode ser nem mesmo tocada – o temor do desequilíbrio é o comandante em chefe. O receio de mudar o rumo, por pouco que seja, é imenso. Assim, permanece essa mania de querer agradar - todo o tempo e o tempo todo - ao capital com a dengosa generosidade dos bilhõe$$ retirados do orçamento público. Ao mesmo tempo, o governo consegue manter a elevada popularidade nas pesquisas, graças a algumas migalhas remetidas aos desvalidos e evitando a recessão econômica. E assim, de desoneração em desoneração, “vamo que vamo”!
Muito tem se falado a respeito do tema da justiça fiscal e tributária. Ora, o que o governo tem feito e sinalizado ultimamente caminha na direção contrária de tal necessidade. Equidade fiscal significa que o conjunto das ações governamentais na área das despesas e das receitas do Estado tenha por pressuposto básico um tratamento privilegiado para os que possuem menos – a maioria da população. No entanto, a insistência de nossos dirigentes da área econômica tem sido pela manutenção de medidas de agravamento da desigualdade. A essência das políticas tributária e fiscal tem favorecido o capital e as empresas. Como o rol de casos é imenso, vamos a alguns deles.
Aspectos da falta de justiça fiscal e tributária
Um dos mais evidentes é a manutenção da política de geração sistemática de superávit primário. Com isso, fica assegurado o destino de recursos orçamentários para o setor financeiro (pagamento de juros e serviços da dívida pública), ao passo que as rubricas sociais ficam à mercê dos conhecidos cortes, em nome da pomposa “responsabilidade fiscal”. Entram na lista, também, as desonerações tributárias de toda ordem, sempre beneficiando o capital e comprometendo a sobrevivência estratégica de programas essenciais, como a previdência social.
Chama a atenção, por outro lado, o abandono da pauta de implementação de impostos sobre o patrimônio, como é o caso da regulamentação da previsão constitucional do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). O mesmo pode ser dito a respeito da regularização da sistemática de arrecadação do Imposto Territorial Rural (ITR), que responde por ridículos 0,3% do total de tributos federais, sendo bem conhecida a dimensão das propriedades rurais e a importância econômica do agronegócio em nosso País.
Outro aspecto de nossa estrutura tributária é sua regressividade. Isso significa que os indivíduos e famílias de menor renda pagam, proporcionalmente, mais tributos na comparação com que apresentam rendimentos e/ou patrimônio mais elevados. Essa característica de evidente injustiça fiscal pode ser comprovada pelas alíquotas de Imposto de Renda, pelos inúmeros mecanismos de isenção e pela tributação viesada sobre o consumo. Assim, qualquer indivíduo que compre um litro de leite, consuma 1 kw/h de eletricidade, utilize o telefone ou compre uma peça de vestuário paga sempre o mesmo valor do tributo, independentemente de seu nível de renda.
O discurso falacioso sobre a “nova classe média” também contribui para obscurecer o debate sobre a justiça fiscal. Ao invés de reforçar os elementos de cidadania e das obrigações constitucionais quantos aos direitos sociais básicos, setores do governo redirecionam o foco para a “grande novidade” do fenômeno. A partir de agora, esses setores, que tiveram seu patamar de renda familiar elevada, poderão também passar a “consumir” educação privada, saúde privada e previdência privada. O conhecido fenômeno, tão bem descrito por Marx, do fetichismo da mercadoria. Com o círculo vicioso entre a baixa qualidade do serviço público e o estrangulamento de verbas orçamentárias, a estratégia desvia a atenção desses setores emergentes e retira a pressão pela melhoria da prestação dois serviços pelo Estado. Políticas públicas são cada vez mais substituídas por regras e contratos – eis aqui mais uma faceta da mercantilização generalizada.
Tributação das “commodities”: solução para a maioria
Além de apresentar soluções para esses exemplos, o governo deveria adotar o mecanismo de tributação das exportações de “commodities”, para avançar no caminho da equidade fiscal, compensar as perdas de arrecadação com as benesses das desonerações recentes e contribuir para desentravar o nó da política cambial. E vejam que não se trata de nenhuma tentativa de reinventar a roda ou da criação de uma alguma nova jabuticaba tupiniquim. A grande maioria dos países que apresentam uma forte contribuição de suas exportações derivadas de produtos primários (minerais e agrícolas) para o desempenho de sua economia vale-se desse tipo de expediente. Há muito tempo, tributam esses bens na venda para o exterior.
Em tese, essa modalidade de tributo não é muito eficiente para a exportação de produtos industrializados. Isso porque tais bens, acrescidos dos impostos, tornam-se mais caros nos países de destino e isso pode reduzir a competitividade dos mesmos. No entanto, quando se trata de algo como as chamadas “commodities”, a situação é completamente distinta. Os preços desses bens são definidos nos mercados internacionais e dependem pouco da capacidade de influência de um ou outro país individualmente, seja pelo lado dos que exportadores ou dos que importam. Exceção deve ser feita, é claro, para agentes mastodônticos, como os Estados Unidos ou a China. De toda a maneira, o Brasil exporta há décadas - e continua nessa mesma toada – produtos primários sem que os preços internacionais tenham sido os responsáveis por grandes alterações no volume exportado.
Novo tributo não prejudica o desempenho exportador
Assim, se o País decidir por uma alíquota, digamos de 10%, a incidir sobre as exportações de minério de ferro ou de soja, por exemplo, o desempenho exportador não vai ser muito afetado no curto prazo. No começo do governo Lula, a Vale exportava o minério de ferro a US$ 14/tonelada, em janeiro de 2003. Chegou a receber US$ 187 em 2011 e agora se contenta com pouco mais de US$ 110. Para o mesmo período, a cotação da soja saiu de US$ 210/tonelada, alcançou US$ 501 e agora está próxima de US$ 550. Frente a essas variações de cotação internacional, adicionem-se ainda as variações da taxa de câmbio, que se reflete em termos dos ganhos monetários em reais dos exportadores. No início de 2003 estava a R$3,60/dólar, chegou a R$ 1,56 em 2011 e agora está a R$ 2,10. Ou seja, apesar de todas essas alterações na renda do exportador, o Brasil só fez crescer suas vendas de “commodities” para o exterior.
E todos sabemos que esse modelo de característica neocolonial, baseado na exploração de minérios e produtos agrícolas, tem um enorme custo para o País: problemas de ordem social, econômica e ambiental. Assim, nada mais justo do que o Estado impor a tributação desse tipo de atividade que pertence ao passado e que deve ser encarada como uma etapa a ser rapidamente vencida e superada. A Petrobrás exporta óleo bruto, um combustível que clama por sua substituição na matriz energética global. A Vale e similares exportam as riquezas minerais do nosso subsolo por um contrato de concessão a perder de vista, pois as reservas pertencem à União. O complexo do agronegócio exporta a soja e demais produtos agrícolas sem oferecer a contrapartida de uma sofisticação tecnológica nem agregação de valor adicionado à nossa economia. Todas são atividades altamente comprometedoras de nosso meio ambiente.
Em 2011, as 6 principais “commodities” responderam por uma participação de 47% do total de nossas exportações. Isso significa que minério de ferro, petróleo, complexo da soja, complexo de carnes, açúcar bruto e café em grão totalizaram US$ 119 bilhões, em um total de exportações que atingiu US$ 252 bi. Se considerarmos isoladamente, o minério de ferro alcançou US$ 42 bi e a soja US$ 24 bi. A incidência de uma alíquota de imposto de exportações só viria a reduzir um pouco a lucratividade das empresas do setor, por meio de um instrumento de equalização dos custos provocados por esse tipo de atividade. Com certeza, as vozes levantar-se-ão, clamando contra a “sanha arrecadadora” e contra a suposta inviabilidade das atividades. Pura balela. O mesmo ocorreu quando o patamar das taxas de juros da SELIC foi reduzido e os bancos tiveram que passar a operar de outra forma. Aliás, nenhuma instituição quebrou e, como o governo está sendo conivente com o sistema financeiro, os clientes e usuários é que continuam pagando a pesada conta dessa mudança comportamental.
Finalmente, alguns especialistas começam a levantar a hipótese de que esse tipo de tributo ofereceria também a sua contribuição para a estabilização de nossa taxa de câmbio em um patamar mais realista, fora do risco de sobrevalorização. É o caso do economista Bresser Pereira, que considera o imposto sobre exportações de “commodities” uma necessidade imperiosa para uma estratégia de longo prazo para o Brasil. Na verdade, o ex-ministro aposta na medida como fator de desestímulo à atividade exportadora espoliadora e como forma de incentivo a uma espécie de reconversão dos capitais atualmente ali investidos. Com a perspectiva de queda na rentabilidade no longo prazo, os recursos seriam direcionados para outros setores produtivos.
Assim, nesses tempos em que o governo continua a abrir, perigosamente, mão de sua receita tributária por meio das isenções generalizadas e recorrentes, esse tipo de imposto só teria a apresentar ganhos para a grande maioria da sociedade. Os únicos prejudicados seriam os exportadores, que passariam a compartilhar com os demais setores uma mui modesta parcela de seus expressivos ganhos que, até agora, foram direcionados exclusivamente para os cofres de suas empresas. Trata-se, na verdade, apenas de uma modesta e bem vinda medida de justiça fiscal.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
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